Jubiabá
Não
sei no certo, a quantas eu andava em 2006 quando meu compadre, à época editor do
caderno de arte do jornal, me saiu com essa: “vou te colocar pra dar o ‘Bom
Dia’ para o povo daqui”.
‘Bom
Dia’ era a coluna de crônicas do Cartaz, cantinho de céu literário minado de
estrelas da escrita paraense. Encarei. Publiquei
minha primeira crônica aqui, no dia 27 de março. Mas quando que eu iria
imaginar que viraria a marca dos 16 anos escrevendo toda semana para a coluna.
Varei, olha! Só estou eu, que naqueles idos de 2006 ainda balancei pra aceitar
o convite do meu compadre, achando que era uma senhora responsa escrever assim,
de palmo em cima com os melhores.
Sou
assim, ligado em datas, em marcações. Atento a mexidas e remexidas no tempo. Aí
me calha nas intenções, explicar na lógica curta e certa, esta inclinação para
contar causos. De onde vem esta batida. Como surgiu o meu fazer literário. Por
quais cargas d’água vim parar aqui.
Avalio
que, no início, esta tendência apareceu dentro de um caudal de elaborações nas
mais variadas artes, e que se manifestaram na molecada da rua. A minha busca vai
longe. Desembarca na Mauriti, finalzinho dos anos setenta. Minha patota estava
crescendo, estávamos abrindo os olhos para o mundo que ia além do Centro três, do
Cine Paraíso, das peladas no canteiro da Duque e naquele campo de sonhos que
era o Areal. Foi o tempo em que cada um impinimou fazer uma arte. Este tocava
um instrumento, aquele cantava, uma vizinha pintava quadros de céus e rios,
outra fazia mímicas e arremedos. Uns outros andavam pra cima e pra baixo com a
Olivetti e uma papelada debaixo do braço. Eu me peguei com o violão. Ao mesmo
tempo, aparecia para mim o mundo fascinante da Escola Técnica. Minha escola
santa e pecadora que, em plena ditadura militar, abrigava o ensino formal, as
regras, as caretices, o civismo auriverde, mas por outra, nos oferecia
enriquecedoras experiências construídas pela pedagogia teatral de Cláudio Barradas,
no Tecnartes; pelo zelo melódico de
Adelermo Matos; pelos ritmos jazz band de Nery Filho, pela poética amazônida de
Paes Loureiro e ainda as alegorias urbanas de João Mercês. E mais e muito
decisivamente, pelo espírito refinado de Alfredinho. As artes e as almas se
encontravam na Escola Técnica.
Aqueles
últimos anos da década de 70, plúmbeos, no entanto borbulhantes, cheios de
energias de escape, de evaporações e inspirações para a liberdade. Aqueles anos
fervilhantes abriam-se para mim em inúmeras possibilidades. Eu entrei na Escola
Técnica com um violão pirentinho debaixo do braço, de onde como todo mundo da
minha patincha tirava a melodia de “A Festa do Santo Reis” e “A Casa do Sol Nascente”,
só no dedilhado; até que um dia eu conheci a biblioteca, até o instante em que fui
apresentado à literatura fantástica de Murilo Rubião, pelo Alfredinho e tudo
mudou.
(Quanta
meiguice emanava da oratória de Alfredo quando ele dissecava o Modernismo
expresso em Jubiabá. Destaque para a indelével sofisticação na pronúncia
orvalhada da oxítona! “Jubiabá”. Depois levava a mão ao bolso, retirava o lenço,
enxugava o rosto, o cantinho da boca, por fim, voltava o lenço pro bolso da
calça verde clarinha, com singular hombridade).
No
dia que corrigiu e tascou um dez na resenha que fiz do conto “Os Dragões”, de
Rubião, meu tão estimado professor da ímpia e redentora Escola Técnica cravou:
“tens jeito pra coisa, rapaz!”
Por
estas, tantas e outras, é que estou aqui, nesses 16 anos, rente como pão
quente, mandando aquele Bom Dia ao povo daqui.
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