Um toque de felicidade
A
medida certa, os pontos exatos do sal, da temperatura, da textura da felicidade,
a gente não sabe contar não. Talvez ela nem exista. Pode ser que nos toque
apenas de longe, no rubor da pele, no eriçamento dos pelos, em uma certa leveza
do corpo. Vem através de uma abstração colorida, um delírio denso.
Quando
o navio Domingos Assmar apontou naquele horizonte que beira a ilha de
Arapiranga, eu, ainda meio azuruote de tanto banzeiro que a baía do Marajó nos
ofertou, avistei terra além e as torres pontudas do Ver-o-Peso; e abracei, sem
saber, instantes de imensa euforia, de futuros alegres e belemenses. Abarcava
junto ao peito o sonho de um dia ter tudo o que pudesse significar felicidade.
Tive
alguns ensaios. Menções ao longo da vida. Passar no vestibular, por exemplo, ouvir
o nome no rádio e sair pra rua cantando a marchinha do Pinduca, marca uma
passagem na história, inesquecível e indescritível. Só quem viveu, sabe. Outros
toques experimentei de extrema satisfação, como estar bem assim, pensando na
morte da bezerra, apreciando o tempo da janela de um ônibus plena meio dia, na
Almirante Barroso e receber uma ligação dizendo que meu conto havia sido
escolhido entre trezentos e tantos, como um dos melhores da região amazônica.
Foi um choque gostosíssimo. Rolou o frisson (‘me deixou assim, com os pés fora
do chão’). Estes são alguns instantes que conto como se fossem retirados daquele
pacotinho de sonhos que tomei nos braços quando varei entre as ilhas de
Arapiranga e Cotijuba à bordo do Domingos Assmar, ainda com a laminha nos pés,
tragada dos barrancos do rio Acre, e me entreguei de coração e alma a Belém.
Meu
futuro de felicidade belemense germinou. As crianças vieram paraenses. Das puras.
Não dispensam um açaí. Traçam um tacacá no sol da tardinha, desenrolam bem no carimbó
e no falar cheio de ésses chiados e lhindos eleagás. Assinam nossa terna
aliança. São do natural, enraizados, filho e filha assim assim de amor por esta
cidade das mangueiras. Os Sodreres sedimentados à margem da Guajará.
Agora
em fevereiro, veio a netinha. Então a felicidade minha é um movimento afetivo,
de interações, de geoentrelaços.
A
chegada de minha neta é o arremate neste tecer emotivo, prático, previdente. Há
de prover de mais dias bons, minha caminhada. É a síntese desta construção de
espírito e corpo. Deste mosaico de vivências e realizações... do desaguar de
Luzia, de lá da montante do Amazonas, até o estuário guajarino. Em rio fértil e
dadivoso meandrando, encontrando rumos em nomes e carinhos recíprocos. Troca de
afetos: Belém Sodré. Minha netinha traz no nome tudo aquilo que eu pensava ser
felicidade, quando abarquei entre os braços o futuro ali, no horizonte da baía.
Belém Sodreres, Sodreres Belém em uma só margem do rio da vida.
Bem
vinda, querida Petra. Um dia, vendo as fotos do nosso primeiro encontro, vamos
entender por que o vovozinho estava num aperreio geral, no esfrega-esfrega as
mãos com álcool, no ajeita- ajeita a máscara, e num contato rápido e elaborado.
Vamos compreender que, de verdade, no justo e apurado, é que ela, a felicidade,
aqui acolá, nos toca. Seja na euforia de realizações pessoais, seja na
perpetuação da vida. Ela acontece quer na germinação do amor. Quer no protocolo
dos encontros. Ela, a felicidade, vibra no respeito às inspirações paraenses e
às heranças de uma saga acreana. E, mais intensamente, no acolher cuidadoso da
netinha, nos braços sonhadores do vovô.
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