sábado, 12 de fevereiro de 2022

crônica da semana - um toque de felicidade Petra

 Um toque de felicidade

A medida certa, os pontos exatos do sal, da temperatura, da textura da felicidade, a gente não sabe contar não. Talvez ela nem exista. Pode ser que nos toque apenas de longe, no rubor da pele, no eriçamento dos pelos, em uma certa leveza do corpo. Vem através de uma abstração colorida, um delírio denso.

Quando o navio Domingos Assmar apontou naquele horizonte que beira a ilha de Arapiranga, eu, ainda meio azuruote de tanto banzeiro que a baía do Marajó nos ofertou, avistei terra além e as torres pontudas do Ver-o-Peso; e abracei, sem saber, instantes de imensa euforia, de futuros alegres e belemenses. Abarcava junto ao peito o sonho de um dia ter tudo o que pudesse significar felicidade.

Tive alguns ensaios. Menções ao longo da vida. Passar no vestibular, por exemplo, ouvir o nome no rádio e sair pra rua cantando a marchinha do Pinduca, marca uma passagem na história, inesquecível e indescritível. Só quem viveu, sabe. Outros toques experimentei de extrema satisfação, como estar bem assim, pensando na morte da bezerra, apreciando o tempo da janela de um ônibus plena meio dia, na Almirante Barroso e receber uma ligação dizendo que meu conto havia sido escolhido entre trezentos e tantos, como um dos melhores da região amazônica. Foi um choque gostosíssimo. Rolou o frisson (‘me deixou assim, com os pés fora do chão’). Estes são alguns instantes que conto como se fossem retirados daquele pacotinho de sonhos que tomei nos braços quando varei entre as ilhas de Arapiranga e Cotijuba à bordo do Domingos Assmar, ainda com a laminha nos pés, tragada dos barrancos do rio Acre, e me entreguei de coração e alma a Belém.

Meu futuro de felicidade belemense germinou. As crianças vieram paraenses. Das puras. Não dispensam um açaí. Traçam um tacacá no sol da tardinha, desenrolam bem no carimbó e no falar cheio de ésses chiados e lhindos eleagás. Assinam nossa terna aliança. São do natural, enraizados, filho e filha assim assim de amor por esta cidade das mangueiras. Os Sodreres sedimentados à margem da Guajará.

Agora em fevereiro, veio a netinha. Então a felicidade minha é um movimento afetivo, de interações, de geoentrelaços.

A chegada de minha neta é o arremate neste tecer emotivo, prático, previdente. Há de prover de mais dias bons, minha caminhada. É a síntese desta construção de espírito e corpo. Deste mosaico de vivências e realizações... do desaguar de Luzia, de lá da montante do Amazonas, até o estuário guajarino. Em rio fértil e dadivoso meandrando, encontrando rumos em nomes e carinhos recíprocos. Troca de afetos: Belém Sodré. Minha netinha traz no nome tudo aquilo que eu pensava ser felicidade, quando abarquei entre os braços o futuro ali, no horizonte da baía. Belém Sodreres, Sodreres Belém em uma só margem do rio da vida.

Bem vinda, querida Petra. Um dia, vendo as fotos do nosso primeiro encontro, vamos entender por que o vovozinho estava num aperreio geral, no esfrega-esfrega as mãos com álcool, no ajeita- ajeita a máscara, e num contato rápido e elaborado. Vamos compreender que, de verdade, no justo e apurado, é que ela, a felicidade, aqui acolá, nos toca. Seja na euforia de realizações pessoais, seja na perpetuação da vida. Ela acontece quer na germinação do amor. Quer no protocolo dos encontros. Ela, a felicidade, vibra no respeito às inspirações paraenses e às heranças de uma saga acreana. E, mais intensamente, no acolher cuidadoso da netinha, nos braços sonhadores do vovô.

 

 

 

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