Colação de grau
Uma foi
tirar plantões em São Miguel, outra se meteu no meio do pitiú do Veropa, a cuidar
dos esquecidos; este internou-se no Barros Barreto, aquela, no Hangar. Nos
acudiram e contaram como contas preciosas no Rosário do qual nos valemos, nos
momentos mais dramáticos da pandemia.
Neste Círio,
não tive como olhar para essa galerinha que até um dia desses era a petizada
aqui do nosso quintal, com os mesmos olhos...
Em
janeiro de 2020, fomos convidados. Lá me bati de novo com o aluguel de paletó
que nunca cabe diretinho em mim, me vi na resignada severidade apertada de um
bico fino que uso só para essas ocasiões e, com muito garbo, ostentei aquela
postura de pai, de amigo, de parente orgulhoso, porque, de todo coração, vejo
motivos muitos para ficar todo metidão, quando alguém de nosso convívio
consegue superar os reveses e põe a mão no canudo de um curso superior. E esta
colação foi muito especial. Estava lá, parte da petizada que frequentava os
nossos saraus do quintal. Moças e rapazes entusiasmados, verdinhos na vida, ansiosos
da lida; dançando, comemorando em divertido folguedo, sob luzes e sons de uma cerimônia
de formatura do curso de Medicina realizada no Hangar. Uma noite decisiva, reveladora. Uma previdente
catarse. Parece uma coisa! Uma anunciação. Um acúmulo de animada energia para
um futuro próximo de desafios jamais imaginados.
Dali a
dois, três meses, estariam na linha de frente no combate à pandemia provocada
pelo vírus maldito Corona e seus aliados negacionistas.
Muitas
quedas, muitas dúvidas e desesperanças depois, tive um reencontro com esta
turma, agora pelo Círio. Todos já cheios de histórias. Tantos atendimentos de
palmo em cima com o vírus. Mudanças radicais. A decisão drástica de cair em
campo e considerar não voltar pra casa, procurar um canto pra se isolar, por
causa do risco de contaminar familiares, pais, mães. O dia a dia tenso,
enfrentando inconformismos, dores da perda sem cura, e, até indefensáveis
solicitações por medicamentos ineficazes, feitas com arrogância ou mesmo
ativadas pelo desespero.
Para
mim, são merecedores e merecedoras de todo respeito, objetos da minha admiração
e alvo da minha gratidão. Do meu carinho, do meu encantamento (em especial, a
petizada que mora no meu coração). Representam uma legião verdinha na lida que
foi lançada no front de uma luta inglória.
A
cidade ferve por esses dias. A ruma de gente movida pela fé incita Belém a emanar
calor humano, desejo de um mundo melhor. Eu me bato com meus conflitos. Procuro
entender esta convulsão, esta vibração que a cidade exibe e partilha com a
gente. Em minhas convicções agnósticas nem tão convictas, quero crer. Busco
justificar milhões de coisas, a história do Plácido, o comportamento da minha
gente, a caminhada de joelhos pelo asfalto inclemente, os pratos típicos do almoço
do Círio; a harmonia das cores, a estética inocente dos brinquedos de miriti; o
contentamento simples de se abalar dos bairros distantes, só pra ver a passagem
da Santa no largo do Redondo. A corda e suas dores. São caminhos que percorro pelos
escondidos da minha alma e o que encontro a cada ano, é sempre a resposta em
forma de agradecimento. Esta é a minha fé e este ano com meu Rosário de contas
preciosas nas mãos, dedico minhas orações àquela turma de Medicina que colou
grau no início de janeiro 2020 e que dali a dois, três meses, já estava no
plantão de São Miguel, no meio do pitiú cuidando dos esquecidos...
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