O mundo horizontal
A imagem desenhada, explicada e encantada da
História da humanidade ainda me atrai. Visualizei, senti o poder do traçado em
alguma narrativa literária que chegou a minhas mãos nos últimos anos. Texto com
contornos científicos, balanceado por pitadas românticas. Marcelo Gleiser, Carl
Sagan, uma ou outra biografia de gênios famosos. Foi numa dessas publicações
que tive a revelação.
A intenção do autor era traduzir as maravilhas que
se multiplicaram na cabeça do Homem primitivo, quando deixou de andar sobre
quatro patas, ergueu-se e contemplou o céu estrelado. Trata-se de uma
elaboração estilística fascinante para um evento da Evolução. E de uma poética,
de uma leveza... tem também permeios de racionalidade. Ligar o nascimento do
Homem moderno com a imensidão do Cosmo é arte que me emociona.
A interpretação desta alegoria se baseia no fato de que
uma postura sobre quatro patas, aquela que impõe a horizontalidade da coluna
vertebral (e do mundo), restringe o campo de visão do ser que vive sobre a
Terra. Há um limite para a percepção, para o entendimento. A altura máxima dos
sonhos e pretensões é rés-o-chão.
Na imagem construída do Homem moderno, este limite
se esvai. Some no infinito. Quando o Homem fica de pé, fica mais perto do céu,
de Deus, das estrelas, do inesgotável universo. Aproxima-se de todas as
possibilidades, de todas as tecnologias e construções. Torna-se íntimo dos
segredos da criação, dos caminhos que levam ao amor. E ao ódio.
Alvoreceres além, cá estou, com uma dor miseravida
mulestadeinsuportávelnojentaordinária na coluna, refletindo sobre a validação
de estar de pé.
Entre um analgésico e outro, choro lágrimas profusas
neste maio de tantas e fortes emoções. Nem todas pela dor física, boa parte,
por este mundo de dores que brotam das profundezas do coração.
O mês de maio, de conflituosos sentimentos, ajuda no
banzo.
Um ano e pouco além do início do flagelo que é esta
pandemia provocada pelo Coronavirus, e potencializada pelo desastre que se queixa
ser um governo brasileiro, o sofrimento é o mesmo de quando recebi a notícia da
passagem do meu companheiro Cláudio Cardoso. Um exemplar grandioso do Homem
moderno, pensante, criador amável e que amava a Terra, as pessoas, a vida.
Dominou o quanto pôde os reveses, a ousadia de estar de pé. Até que o vírus o
pegou à traição. Só assim, por uma manobra sorrateira, desleal deste sistema
perverso é que Cláudio abandonaria o front. De outra forma, ainda estaria aqui
cerrando fileiras contra essas desditas com as quais nos batemos todo santo
dia. Armado de poemas.
As contendas do mês se revigoram e as lágrimas vêm
em enxurrada, quando localizo o dia 15 de maio de 23 anos atrás. A data marca o
dia de intraduzível sofrimento, em que minha mãe nos deixou. Um momento de esmigalhar
o coração: um dia após o meu aniversário e às margens dos festejos do Dia das
Mães. Aquele 15 de maio foi um ataque cruel e malicioso do destino. Não nos
ofereceu defesa. Mesmo de pé, vislumbrando o infinito, ante àquela situação
devastadora, me senti limitado. Com a fé e o entendimento sobre a vida, rentes
ao horizonte. Sem éter, sem imensidão. Sem futuro.
De pé, cá estou eu, com 58 anos completados ontem. No
futuro. Neste dito futuro bagunçado de sentido, de teres e fazeres. Vendo meu
Brasil se enterrar dentro de um buraco profundo e escuro. Estou eu, cá, Homem
moderno, chorando meus mortos, e percebendo o cultivo do ódio nos levar de
volta às quatro patas.
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