O touro de cara
pro céu
O tempo foi
passando e eu fui ficando velho olhando pro céu. Por vezes dormia e acordava
sem chão, sem peso, sem lei que me prendesse à terra. Imediatamente, eu me
recompunha e abraçava a gravidade. Meu planeta vence e me atrai mais que o profundo,
cintilante e silencioso infinito.
Eu sou de Touro
com regente em Vênus. Sou touro de cara pro céu. Sou gente descrente, sou jeito
insensível. Displicente discípulo, transgressivo servo. Um poeta a procura da
lua todo mês, às vezes no mais expressivo escuro. Por outra, me pego metódico,
medindo distância de estrela a meio olho, a palmo diante, a indicador indicando;
ou com o polegar, assim, de lado. Aldebaran é tão longe!
Certa vez eu,
touro de cara pro céu, acompanhei a noite minuto a minuto. Desde o despontar da
primeira estrela no horizonte até a lua cheia no alto da abóbada. O brilho da
lua ofuscou a exuberância de Aldebaran que é muito longe. Nuvens vieram de fora
e nem eram das minhas posses. Um vento rasteiro rastejou sob meus olhos, deu um
ardor na alma, um achaque em minhas tolerâncias. Lagrimei. Foi aí que choveu e
eu me vi envelhecendo molhado olhando pro céu.
Touro é uma
constelação que vemos aqui no hemisfério sul, em horários mais apropriados,
entre novembro e maio. Chama a atenção porque vem acompanhada de Sírius, a
estrela mais brilhante do céu, das Três Marias, da gigante vermelha Aldebaran e
de um aglomerado fofíssimo, as Plêiades, também conhecido como As sete irmãs,
Chavinha ou ainda, Tercinho. Na Antiguidade, os gregos perceberam aquele belo
ajuntamento de estrelas e criaram histórias sobre ele. Viram ali o grande
caçador, e seu cinturão luminoso; a matilha agitada e o cão maior, um imponente
touro. Perceber sair daquele V de cabeça pra baixo o desenho perfeito de um
touro, requer muita imaginação. Admiro a constelação, mas não consigo formar a
figura. Compete contra a minha percepção, atualmente, obvia aversão a este tipo
de gado.
E também não
creio que um animal imaginado, vagando pelo espaço em uma ordem impecável,
possa interferir na minha personalidade, no meu futuro e nos meus humores
desordenados.
Na ponta do V
virado pra baixo e que seria a cabeça do touro, distingue-se o vermelho
brilhante, de Aldebaran. Cheio de fascínio, inspirando mistérios, refletindo a
arte espontânea, de plástica apurada, imensa e casual . Mas Aldebaran é tão
longe!
Nada, nem minha
descrença, nem meu cinismo (com regente em Vênus), ou a minha desconfiança
antigravitacional me impede de ser um touro de cara pro céu. Porque a
constelação é um deslumbre! O universo é cativante e convidativo. As estrelas
mundiam. Há uma eternidade cheia de nadas, sideral, nos chamando, aos confins,
às fronteiras invisíveis, às margens indivisas, aos abismos cósmicos; a cada
noite, para nos contar paixões.
Por vezes, touro
de cara pro céu, eu durmo. Cheio de versos vazios, desejos opacos, esperanças,
sonhos e sono. Cuido para que a vigília me resgate do éter tão cativante. Torno
ao chão esturricado da Terra, meu planeta regente, que me atrai mais que os
aglomerados e as mitologias. É absolutamente necessário estarmos juntos, nos
atrairmos. Porque o tempo está a passar e me cutuca e me alerta que não posso
somente ir-me ficando velho e também, não devo lançar-me sem regras vagando
pelo céu. Tenho que acordar gravitacional e amar a vida sobre meu planeta.
Ainda mais que Aldebaran de Touro é tão longe!
Con ascendente en escorpião... Perfeito, meu cunhado!
ResponderExcluir