sábado, 22 de junho de 2019

crônica da semana - idealismo


Idealismo (minhas férias)
As aulas do professor Juan Hoyos eram concorridas. O horário dele era cedo.  Às seis da tarde, começava a falar e só parava na batida da campa. Apesar de ministrar uma disciplina tida e havida como difícil e chata, vinha gente de outras turmas para as aulas. A moçada sentava no chão, ficava gente pelo corredor. Só prestando atenção. Da minha passagem pelo curso de Geografia trago algumas lembranças daquelas aulas. Uma delas se fez muito ativa nessas minhas férias. Foi quando Hoyos falou sobre o Idealismo. Filosofia não é assim, de repente, que se apreende, e ele sabia disso. Era um professor. Fez comparações para nos explicar como os processos, os eventos, as coisas e as artes podem existir independentes de a gente poder apalpá-las, enxergá-las ou cheirá-las. Deu o exemplo da neve. Todos nós, das beiradas tropicais, das baixas altitudes, afirmamos na sala, ter ciência do que seria a neve, mas reforçamos que jamais havíamos tido contato. A neve existia somente no mundo das idéias. Límpida e clara. Friinha, fofa. Brilhante e sonante...
A igreja de Aparecida, aqui na Pedreira, está localizada a uma altitude de 20m. Ocupa um dos pontos mais altos do bairro. Esta indicação quer dizer que o templo foi erguido 20 metros acima do nível do mar. A referência serve para que a gente perceba a interação do lugar onde estamos com a movimentação das águas do mar e de superfície. Em Belém, por exemplo, conhecer a altitude de onde se mora significa saber se a área pode alagar na maré alta. O Igarapé do Galo, ali perto da praça Eneida de Moraes, por estar numa altitude de 10m, se for alimentado por águas de chuva forte e ao mesmo tempo ser invadido pela maré cheia, transborda e avança o leito sobre as margens, pondo no fundo as casas próximas. Em baixas altitudes, se respira de um jeito, o metabolismo é adaptado, o sol produz alta temperatura e umidade; as nuvens movimentam-se em determinada velocidade, o céu é longe. A água ferve a 100 graus. Isso tudo, nós, do estuário guajarino, sentimos na pele. Estas apreensões representam o contrário de Idealismo.
Fazer as experimentações. Estar de palmo e cima com as diferenças radicais, com o contraditório. Enfrentar temperaturas negativas, subir as cordilheiras, encaixar-se entre as rochas vulcânicas eram metas para essas minhas férias.
Visitei um lago que fica a 3.000 metros de altitude. É como se o telhado da igreja de Aparecida tivesse três quilômetros de altura. Encaixado no meio de formações pontiagudas da cordilheira dos Andes, modelei uma bola de neve e trouxe aquela idealização de massa límpida e clara, friinha, fofa, brilhante e sonante para o tímido calor de minhas mãos. Reconheci que um neguinho das beiradas do Amazonas não se sente confortável, de jeito e maneira, debaixo de uma temperatura de -14 graus. Lá em cima, constatei a diversidade de ambientes e a enorme capacidade humana para vencer obstáculos naturais. Lembrei das explicações do professor Juan Hoyos sobre a existência de artes e coisas somente no cocuruto e me deslumbrei com o contrário disso. A realidade das cordilheiras me fascinou e eu que não creio, agradeço ao bom pai por esta oportunidade. Pela maravilha das montanhas, por testemunhar a tensão que constrói, por sentir a dramaticidade da subducção e por trazer esta vivência a menos 14 graus existindo em boas e reenergizadas memórias.

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