De
pernas pro ar
Vou
dar um tempo do mundo. Tirar umas merecidas férias. Desligar os plugs.
O
porto a que me vou não tem nem luz elétrica. Celular, nem do pisca. Televisão
não pega. Correio é só de quando em quando. Internet é poeira que se vê longe. Rádio,
só se a gente sair pra fora de casa e virar a antena para o poente. O porto a
que me vou “não é alegre, velho, triste, das galinhas, nem tampouco é
Portugal”. É um porto seguro de águas calmas encravado nas enseadas da razão e
da solidão. Do silêncio e da lucidez. Do frio rígido das horas. E da sonolência
sagrada do ócio. O porto a que me vou é tão perto e certo, que o sinto dentro
de mim, me chamando para o estado absoluto de paz, da morrinha e da mansidão.
Então,
leitores amigos que me acompanham nesses 13 anos de coluna, não pensem me
encontrar nas duas próximas semanas. Porque não estarei aqui. Estarei de pernas
pro ar em alguma beira de rio, por aí. Em alguma praia de águas verdes. No alto
das montanhas geladas ou quem sabe, às margens do igarapé do Zé, só curtindo
aquele ventinho. Só embalando na minha redinha.
Durante
anos, as minhas férias eram... como direi, meu pai?... Autóctones. Quer dizer: realizavam-se
no mesmo lugar em que eu vivia e labutava. O gozo das férias era uma mera
formalidade. Morava na Vila dos Cabanos e lá é que era o destino de quem tirava
férias. O comum era os parentes, amigos e aderentes largarem as pernas pro ar,
por aquelas bandas de lá. Então por uma contaminação conceitual, assim que eu
assinava a papelada de férias, já transformava aquele lugar de trabalho no
porto de comodidades que imagino nos parágrafos aí de cima.
O
direito a férias é quase centenário. Foi instituído por decreto em 1925. É
considerado o primeiro benefício geral amparado pelo direito trabalhista no
Brasil. Foi estabelecido por lei, mas antes mesmo, já havia setores industriais
que promoviam o descanso anual dos trabalhadores de forma autônoma. Esta
prática dava indício de que um entendimento havia sobre a necessidade de
compensar a sobrecarga a que os trabalhadores eram submetidos e o impacto disso
na produtividade. Esta situação hoje, com as tensões competitivas é muito clara
e reconhecível. Mesmo que haja uma corrente contra, as férias são vistas como
componentes favoráveis ao bom desempenho profissional. Tem uma hora que o
próprio chefe reconhece que aquele funcionário (e até ele mesmo) está
precisando de umas férias.
Começou
com um tempo corrido de 15 dias. Nos anos 50 foi ampliado o tempo para 20 e,
olha só esta que eu não sabia, os trinta dias de gozo atuais só foram
instituídos nos plúmbeos anos 70.
Interessante
notar que a palavra férias tem origem no calendário romano. Significava o dia em
que, por orientação religiosa, não se trabalhava. Pautou também um sentido de
comemoração religiosa para o correr dos dias e derivou as denominações que
usamos hoje: segunda-feira (feria), terça-feira (feria)...
De
uns tempos pra cá, desatarrachei da Vila dos Cabanos. Atei minha mula em outras
paragens e as férias vieram juntas.
O direito
segue. A gente, no trabalho, vai dando sinais que está precisando dar um tempo.
Assina os papéis e põe as pernas pro ar.
Sem
celular, sem televisão, sem internet; rádio, só na chegada da noite, com a
antena virada no rumo da estrela mais brilhante do céu.
Desplugando.
Até a volta.
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