Cara
ou coroa
Ali
pela adolescência, e ainda na juventude, analisava o mundo à minha volta, de
acordo com as polarizações ideológicas e comportamentais. O meu lado foi sempre
o esquerdo. Militei incondicionalmente de par com meus iguais. Mesmo reconhecendo
a existência dos outros. Até na época de maior militância, e ao mesmo tempo, de
maior dedicação à Escola Técnica, onde tinha que dividir espaços, formar
equipes de trabalhos, de viagens de campo, ou seja, tinha que me haver com
outras patotas; procurava me postar à distância conceitual de pessoas que
divergiam dos meus atos e pensamentos. A minha praia era mesmo a companheirada.
Tínhamos objetivos comuns, práticas partilhadas, os mesmos sonhos e semelhantes
métodos de luta. Esta convivência seletiva tornava as minhas relações
aplainadas pelo consenso, pelos alinhamentos, ao menos da parte conjuntural. Não
havia espaço para surpresas ou sobressaltos. O ritmo da vida era na base do
cara ou coroa.
Essa
conduta tinha seu lado penso. Exclusivista. Não experimentei o verso dessa
postura, fora do âmbito conjuntural (o sistema sim com suas mazelas, era o eixo
a ser vergado). Vivi, durante um tempo, num alheamento confortável, sem
turbulência. O arranjo era bem mais didático. Havia o sistema e havíamos nós. O
meu pensamento romântico não encontrava no meio da conjuntura, atores sociais
dissonantes.
Uma
vidinha toda ordenada, arrumadinha. Tudo no lugar, certinho, se encaixando. Uma
realidade forçada, idealizada. Um mundo esférico sem os chatos e achatados dos
pólos. Era assim que eu desenhava meu espaço, meu tempo. Meus humores, meus
amores. Requisitava um universo sem defeitos. Puro, sensato. Transigente,
obsequioso.
Uma
teba d’uma pretensão a minha. Algo que totalitária. Impositiva. Um credo à
soberba. Uma deixa para a presunção. Escapava um isso da mais solitária
esquisitice.
Mas
ao mesmo tempo era vibração, turbulência que desencadeava a autodefesa. A
necessária superação. A resistência.
Uma
fase perfeitamente perdoável e explicável. Que foi se desmanchando, se
desfazendo.
O
choque de realidade aconteceu quando iniciei minha vivência sindical. Aportei
em Barcarena. Comecei a participar das mobilizações. Aí dei a perceber uma
diversidade que eu pensava não existir. Destaque para a composição partidária.
Na minha cabeça, só estariam na direção do sindicato, integrantes ou
simpatizantes de (um único) partido de esquerda. Qual o quê. Tinha até gente
sem partido. Outro aspecto que me balançou: a presença de evangélicos na
entidade. E eu que achava que a luta operária era uma propriedade da raia laica
da sociedade. Outras divergências, tensas controvérsias foram aparecendo e eu
me esforcei ao aprendizado. Exercitei a versatilidade de concepções na vida e
descobri que a salada de entendimentos se multiplicava em ingredientes, quando
descia ao chão da fábrica ou subia ao céu do mundo.
De
lá para cá, busquei um caminho pavimentado de compreensões. Aprendi a negociar,
e a admitir múltiplas interpretações para o mesmo fato. Valorizei o argumento
em si e não os grupos que o defendem.
Eis
que quando dou fé, a história dá uma pirueta, se desequilibra. O sistema se
mimetiza ao lado da gente. Aparece a figura do operário de direita. A Terra, em
sua plana superfície parece dar voltas para trás.
A
contragosto, adolesci novamente e voltei a admitir o ritmo da vida sendo na
base do cara ou coroa
A moeda pode ficar de pé e rodopiar, acaba num sendo quando em vez nem cara e nem coroa. Cara, pra tomar partido, rs, tô lendo as crônicas e ficando muito feliz a cada uma. Só comentei está de passagem. Outras é só prazer e aprendizado.
ResponderExcluirobrigado pela visita, companheiro, foste responsável pelo recorde de acessos no blog. Muito grato mesmo. Se apreciaste, divulga. Vamos desbancar o Paulo Coelho
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