O
Amarelinho
Ferreirão
era homem grande. Forte. Talhado nas precisões da vida. Trecheiro, houve um
tempo que passou uma chuva no alojamento que eu morava em Rondônia, se
justificando no ofício de cozinheiro.Um teba d’um macho. Andar duro, meio
vergado pra frente por causa da robusta musculatura moldada já em um corpo
maduro.
Cantador.
Contador de história. Bem faroleiro, diga-se. Mentiroso de não tremer um fio do
bigodão que ostentava (contava direto uma história em que ele morria no fim).
Não era íntimo da escrita. Mas era poeta, compositor. Encarreirava bregas
apaixonados sempre que se juntava à nossa turma da cervejinha nas pândegas dos
fins de semana.
E
nem era de beber muito, após uns poucos goles, era tomado pela emoção, recitava
versos tristes sobre amores de cabaré, cantarolava canções que ele mesmo fazia
e guardava na mente, falando de fortunas conquistadas em garimpos e
pulverizadas nas armadilhas de paixões passageiras. Detalhava os mergulhos que
fazia no rio Madeira, o controle que tinha sobre a respiração lá embaixo e afirmava
que não conhecia barranco que resistisse em pé quando ele empunhava a maraca.
Revelava o medo vindo das invejas e cobiças que cerravam vidas lá embaixo,
quando a mangueira de ar de um perseguido era cortada e o corpo afogado era
engolido pelos rebojos que se formavam nas cachoeiras do rio.
Em
outras ocasiões, em conversas mais leves, insinuava uma passagem por Belém e
rolezinhos pela cidade embarcado no ônibus da linha São Brás-Jurunas. E eu, ó,
só vendo o baque dele. Reinando na patranhada.
Trouxe
Ferreirão para esta crônica porque ele é uma boa lembrança de Rondônia, naquele
início dos anos 80. E Também, porque agora que releio “Belém do Grão-Pará”, do
escritor marajoara Dalcídio Jurandir, guardando-se as devidas distâncias
etárias e amarelentas, reencontro Ferreirão em Antônio, personagem do Romance
que se destaca por contar causos de assombros e estranhezas.
Nota-se
na narrativa que Antônio, além das fantasias, tem sim uma vivência certa e
atestada. É trecheiro. Conhece os ermos e os baixões, sabe das gentes, das
fortunas, sabedorias, pajelanças e das conjurações que fervilham nas beiras de
rio. E olha que quando aparece na história, ninguém malda. Desnutrido, exibe
uma cor amarela de criança com paludismo ou panemice, é roubado da casa em que
morava de favor e passa a conviver com Alfredo, personagem em torno do qual as
histórias orbitam no Romance de Dalcídio. O custo foi roubarem o Amarelinho,
pra ele se equivaler ao Ferreirão em farolice e extraordinárias invencionices.
Ferreirão
descrevia as miragens que tinha, sob o efeito do Mariri, nas vezes que tomava o
chá, pelos caminhos de mata fechada que percorria entre Pucallpa, no Peru, e
Letícia, na Colômbia.
Mais
tarde, usaria o chá de Mariri regendo a espiritualidade em ritual indígena que
criei para um conto que escrevi e que ganhou até engalanada premiação. Fico cá matutando
agora e dando ganho a uma impressão que se arrasta há anos. Quando escrevi uma
história fantasiosa, que ganhou até concurso, tive a pretensão de me equiparar
ao Ferreirão. Ao Amarelinho. Descontando, convenientemente, seus naturais em
bigodões e palidezes.
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