Camisa
de onze varas
Lembro
benzinho da minha avó ralhando com um pequeno da rua, que malandrava debaixo do
pé de acácia e, enxerido que só ele, soltava gracinhas e saliências para as
alunas do Donatila: “olha, rapaz, tu ainda vais te meter numa camisa de onze
varas”, vovó dizia.
Virava
e revirava os ticos e tecos do cocuruto imaginando como seria uma camisa de
onze varas. (Tempos depois, andando por essas matas, conheci algumas artes.
Tapiris, mutás, pinguelas, jiraus. Mas não eram camisas e também, bem contadinhas,
via-se que eram obras tecidas com bem mais que onze varas).
Daí
que tirando dum lado e pondo noutro, cascavilhando aqui, e assuntando ali,
deduzi que não se tratava de peça do vestuário, o alerta de minha avó. O recado
era uma previsão de apertos futuros, de enrascadas, encalacres e perigos
certos.
Anos
além dos presságios de vovó, estamos caminhando para nos metermos nesta camisa.
E se nada for feito, vamos ficar tesos sem nos mexer, sem rir, sem falar. A
clara intenção de transformar a educação em experiências realizadas no ermo, na
solidão, pode gerar uma linhagem fria, apatetada, empombalecida; uma legião de
estudantes insossos.
O que dizer de uma geração que não vai
saber, nem entender o quanto de superação tem o ato de, no silêncio de uma compenetrada
aula de cópia, levantar e, animado por uma força inexplicável, quebrar a
concentração de todos e pedir à professora para ir ao banheiro.
A segurança para atitudes ousadas assim, a
vitória sobre o ensimesmamento e a timidez vêm das parcerias. Cresce com a
convivência. A energia para formar dentro da gente controles e poderes, vem do
meio da nossa galerinha. Sempre tem um ou dois que estão ali, dando aquela
força.
O que dizer de uma geração que não vai saber,
nem entender o quanto espetacularmente delicioso é, na hora que todos olham
para o quadro tentando decorar o roteiro das contas de arme e efetue, desviar o
olhar e mirar apaixonadamente a coleguinha ou o coleguinha do lado.
O amor nasce desse emaranhamento de
personalidades. As amizades se criam no ninho de estilos, de calibres, de
humores diferentes.
O que dizer de uma geração que não vai saber,
não vai entender o que significa dividir um sanduíche de 'mortandela',
partilhar um lanchinho que mal dá pra um; misturar vários tipos de sucos, refrigerantes,
num só copo e beber de gute-gute. O que dizer de uma geração que não vai dar
aquela fugidinha até o portão para comprar uma intera de chope e unha ou pastel
de vento; como pensar no futuro de uma criança que não vai experimentar um
sanduíche de banana ou achar normal a pergunta “o
que é isso?”, e a seguir o rogo “me dá um pedaço”. O que dizer de uma geração
que não vai se alegrar com a campa anunciando a hora do recreio.
Educação à distância não ativa a solidariedade, nega o florescer da generosidade, sufoca o companheirismo. Suprime experimentações gastronômicas. Propõe uma geração de robozinhos egoístas, arrasta nossos filhos para dentro de um eu solitário e derrotado. Como advertiu minha avó, admitir este tipo de futuro é socar-se dentro de uma camisa de onze varas.
Educação à distância não ativa a solidariedade, nega o florescer da generosidade, sufoca o companheirismo. Suprime experimentações gastronômicas. Propõe uma geração de robozinhos egoístas, arrasta nossos filhos para dentro de um eu solitário e derrotado. Como advertiu minha avó, admitir este tipo de futuro é socar-se dentro de uma camisa de onze varas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário