No céu como diamantes
As estrelas são os diamantes do céu.
E uma imagem de um céu riquíssimo, minado de
cristais brilhantes me tem ocupado o cocuruto nessas últimas semanas, nas horas
em que me envolvo com o livro “A Batalha do Riozinho do Anfrísio”, do escritor
paraense André Nunes. Esta imensidão estrelada aconteceu para mim, em noite
inesquecível às margens do rio Xingu.
A história que André conta no livro acontece
também nas vastas paragens do Xingu.
Foi uma noite de entontecer. Estava acampado
com minha equipe na borda sul do rio, em uma das lagoas formadas durante o
verão. Depois do trabalho, eu normalmente me recolhia à rede e, debaixo do
mosquiteiro, lia alguma coisa à luz de lampião, até o sono chegar. Por esse
tempo, aproveitando uma trégua das carapanãs, que por ali, davam na canela, a
turma se demorava um pouco, no dominó, no baralho ou numa prosa vã. Numa noite
quente, desci para um papo com o pessoal, na areia, bem na beirinha da lagoa. O
lugar era afastado e a pouca luz nos dava contemplar um cenário deslumbrante.
Tão impressionante, tão inebriante, que se aproximava de um caos prazeroso, um
transe letal. Centenas de milhares de diamantes brilhando no céu. Nunca mais vi
noite igual. E aquela imagem, jamais esqueci. Para mim o maior tesouro, a noite
mais bela está ali, nos céus do Xingu.
André Nunes narra no livro dele, as histórias
que, em recortes salteados, eu ouvia, quando morei em Altamira. Os confrontos
entre os índios e seringueiros eram passagens constantes nas noites do meu
acampamento (cheguei a reproduzir em uma crônica aqui no jornal, o relato de um
cozinheiro que trabalhou comigo e que, em tempos remotos, fugiu com a família
de um ataque de índios. Fugiu atirando. O título que dei à crônica, anuncia a
gravidade da aventura: “44 papo amarelo”); Sabia, já, das campanhas violentas
de revides (no livro ele conta que em um ataque Caiapó, uma criança, da família
do seringueiro é segura pelas pernas, por um guerreiro, é lançada com força e
tem a cabeça estourada contra um esteio, fincado no meio do barraco. Conheço
outra versão que conta que quem teve a cabeça estourada contra a tora de
madeira foi um indiozinho Caiapó. Nas duas versões versa a brutalidade). Aprendi também a
substituir o didático tacape, que era o nome pelo qual conhecia, dos livros do
primário, a poderosa arma indígena, por borduna. Uma peça de madeira
cilíndrica, densa, de uma tenacidade tão bruta que, em batalha, tinha a
capacidade de partir um cristão ao meio.
O desfecho do conflito, percebi, ao conhecer
várias famílias construídas a partir da união de índios e seringueiros. Relação
que me deu ter como companheiros de trabalho Pedro Cruz, o índio louro; Seu Zé,
índio pequenininho; Chico, o arredio; Elcino, índio com sotaque. Todos ali se
envergonhando, na roda de conversa, quando eu pedia que cortassem uma gíria
caiapó.
Paisagens, trechos de praia, corredeiras,
pedrais, rebojos e mansidões, índios amigos, são retratos ainda nítidos do
grande rio. São histórias que se cruzam brilhantes no meu céu e no céu do Xingu,
como diamantes.
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