As torres
Anos
mais tarde, eu reviveria aquela mesma sensação de ver as torres lá de longe,
dali daquelas bandas da linha do horizonte. Houve graça e contentamento naquela
visão, sentimentos não exatamente compartilhados pela minha companheira Edna, e
daqui a pouquinho saberemos por quê.
Morei
um ano em Macapá. Andei por lá fuçando a terra atrás de ouro. Desta época, data
o meu emboletamento completo com minha senhora. Firmamos, naqueles idos, nosso
compromisso de “amor infinito enquanto dure”. Só que, eu lá; e ela, cá. Pra não
ficar um emaranhamento assim muito no mundo das ideias, todo mês, economizava
uma graninha para custear uma viagem de minha namorada a Macapá para termos,
digamos assim, um teretetê ao pé do ouvido. Um chamegamento de enamorados, se é
que me entendem. Até que optássemos em nos estabelecer na capital amapaense de
vez, minha pequena ficou neste lá e cá, neste vai e vem. E obviamente,
enfadou-se das horas e horas de viagem vendo só água e céu, pelo estuário
amazônico que parece não ter começo nem fim...
As
torres do Ver-o-Peso desatacam-se de todo o conjunto arquitetônico do entorno
pela imponência. Diria até, por uma certa arrogância imposta pela rigidez do
ferro. Vistas lá de longe, nos dão as boas vindas. Quem já desceu qualquer braço
de rio que despeje suas águas na baía do Guajará, duvideodó que não centrou o
olhar e não divisou com cuidado a sutil simetria das torres do mercado de peixe,
mesmo sem perceber (eu, quando morei em Barcarena, tanto que vislumbrei este
desenho, que arranjei até uma brincadeira de medir a palmo, na maior distância
dos olhos, as posições, as direções, as mais ligeiras ou imperceptíveis
inclinações das torres. Coisa de gente destrambelhada mesmo). E quem, reparando
nos pontões não imaginou que a vocação para mercado de peixe pode ter vindo
exatamente daquela cobertura em escamas que forma o telhado. Além da
arquitetura, vistas lá de longe, as torres anunciam a terra firme, a nossa
casinha... denotam a evidência de margem concreta, revelam o limite, até então
impensado, do rio-mar. Vistas lá de longe, as torres nos prometem corações,
amigos, irmãos, amores largados na noite. Vistas lá da linha do horizonte, as
torres nos impõem certezas de vidas novas, de futuros, e rumos desafiadores. As
torres são como os portões da cidade. Depois delas, nada a temer, nada de dar
para trás. Depois delas, decisões e irrevogáveis esperanças.
...Quando
encarei frente a frente, as torres do Ver-o-Peso, pela primeira vez, no início
da década de 1970, era um menino das brenhas do Xapuri que pouca coisa de
cidade ou rio-mar, entendia. Não lembro certinho, mas penso hoje, que fui
consumido por sensações. A outra oportunidade de nos toparmos, foi quando
voltei de Macapá. Novamente fui tomado pela graça e pelo inconteste contentamento.
Só
que minha namorada, graça nenhuma via na viagem, pois que enfadada estava de
tantas idas e vindas navegando o Amazonas. Um tanto serena, demasiadamente
prudente, não saiu da rede. Me ralhou pelo meu ir e vir no convés. Caia uma
chuva fina e era arriscado eu constipar.
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