sábado, 16 de janeiro de 2016

crônica da semana - as torres

As torres
Anos mais tarde, eu reviveria aquela mesma sensação de ver as torres lá de longe, dali daquelas bandas da linha do horizonte. Houve graça e contentamento naquela visão, sentimentos não exatamente compartilhados pela minha companheira Edna, e daqui a pouquinho saberemos por quê.
Morei um ano em Macapá. Andei por lá fuçando a terra atrás de ouro. Desta época, data o meu emboletamento completo com minha senhora. Firmamos, naqueles idos, nosso compromisso de “amor infinito enquanto dure”. Só que, eu lá; e ela, cá. Pra não ficar um emaranhamento assim muito no mundo das ideias, todo mês, economizava uma graninha para custear uma viagem de minha namorada a Macapá para termos, digamos assim, um teretetê ao pé do ouvido. Um chamegamento de enamorados, se é que me entendem. Até que optássemos em nos estabelecer na capital amapaense de vez, minha pequena ficou neste lá e cá, neste vai e vem. E obviamente, enfadou-se das horas e horas de viagem vendo só água e céu, pelo estuário amazônico que parece não ter começo nem fim...
As torres do Ver-o-Peso desatacam-se de todo o conjunto arquitetônico do entorno pela imponência. Diria até, por uma certa arrogância imposta pela rigidez do ferro. Vistas lá de longe, nos dão as boas vindas. Quem já desceu qualquer braço de rio que despeje suas águas na baía do Guajará, duvideodó que não centrou o olhar e não divisou com cuidado a sutil simetria das torres do mercado de peixe, mesmo sem perceber (eu, quando morei em Barcarena, tanto que vislumbrei este desenho, que arranjei até uma brincadeira de medir a palmo, na maior distância dos olhos, as posições, as direções, as mais ligeiras ou imperceptíveis inclinações das torres. Coisa de gente destrambelhada mesmo). E quem, reparando nos pontões não imaginou que a vocação para mercado de peixe pode ter vindo exatamente daquela cobertura em escamas que forma o telhado. Além da arquitetura, vistas lá de longe, as torres anunciam a terra firme, a nossa casinha... denotam a evidência de margem concreta, revelam o limite, até então impensado, do rio-mar. Vistas lá de longe, as torres nos prometem corações, amigos, irmãos, amores largados na noite. Vistas lá da linha do horizonte, as torres nos impõem certezas de vidas novas, de futuros, e rumos desafiadores. As torres são como os portões da cidade. Depois delas, nada a temer, nada de dar para trás. Depois delas, decisões e irrevogáveis esperanças.
...Quando encarei frente a frente, as torres do Ver-o-Peso, pela primeira vez, no início da década de 1970, era um menino das brenhas do Xapuri que pouca coisa de cidade ou rio-mar, entendia. Não lembro certinho, mas penso hoje, que fui consumido por sensações. A outra oportunidade de nos toparmos, foi quando voltei de Macapá. Novamente fui tomado pela graça e pelo inconteste contentamento.

Só que minha namorada, graça nenhuma via na viagem, pois que enfadada estava de tantas idas e vindas navegando o Amazonas. Um tanto serena, demasiadamente prudente, não saiu da rede. Me ralhou pelo meu ir e vir no convés. Caia uma chuva fina e era arriscado eu constipar.

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