Darwin e o peão de Rondônia
Em
2004, depois de 22 anos longe dos bancos de escola, entrei na faculdade. Ali
pelo início de março, lá s’estava eu no corredor do P-04 esperando junto com
meus coleguinhas, a primeira aula do curso de Geologia. Cabeça raspada,
pastinha, canetas de duas cores no bolso, o da merenda, um certo
constrangimento (logo superado) de estar ali, de par com estudantes bem mais
jovens que eu (que já estava velejando nos mares dos ‘enta’). Querendo porque
querendo me formar.
Antes,
porém, tinha que mudar conceitos, rever certezas. Estava num curso que tinha
tudo a ver com minha vida profissional. Trabalhando como Técnico de Mineração
pelos rincões amazônicos, me embrenhei, em várias oportunidades, em tarefas que
tinham a Geologia como fonte principal de informação e inspiração. Éramos
íntimos.
Deu-se
então que quando cheguei à universidade, na minha cabecinha reinava uma certa
arrogância. Ia dar de dez naquela molecada, tirar ‘E’ em todas as disciplinas,
convencer meus mestres com a minha vivência. Achava que já sabia de tudo. Que
estava ali na Federal só pra pegar meu diploma de geólogo. Mas quando! Sabia de
nada, inocente!
Não que
minha vivência e o meu aprendizado na Escola Técnica me estivessem em débito.
Não. É que na Universidade, a escala é diferente. O teor é mais apurado.
Detalhes nos são apresentados. Um novo cenário (até mesmo microscópico) é
recriado para velhos enredos. Aí, eu fui revisando a história...
Certa
vez, um auxiliar de campo que trabalhava comigo em Rondônia me trouxe uma
amostra de solo e foi logo caracterizando e dando nome para aquele testemunho
arenoso. Eu, que era vaidoso, cheio de besteiragem porque tinha um diploma de
segundo grau, desdenhei, saí de banda negando, detonando a informação do rapaz.
Anos depois, na Universidade, calhou de um professor-doutor nos apresentar uma
amostra escritinha àquela do pequeno, caracterizá-la e dar-lhe o nome do mesmo
jeitinho como me foi ditado pelo auxiliar de campo lá em Rondônia. Bateu no
cocuruto um arrependimento na hora. O pequeno tinha razão e eu era um bestão iludido.
Como fui injusto.
Por
causa de umas questões paralelas, abandonei o curso. Meu canudo ficou para
ainda mais tarde, mas uma coisa aprendi na Universidade: é um lugar de
revelações, de reconsiderações, de remissões. É a chance que temos de alinhar
noções do saber e a cada uma delas, dar um peso, uma responsabilidade e,
convenientemente, uma equivalência na sensibilidade do vulgo.
Hoje se
comemora o dia do geólogo. Quem está lá na Federal experimentando as dores e as
delícias da Geologia, perseguindo um diploma, agora, é meu menino. Meu desejo
de pai é que, com o canudo na mão, meu filho procure sempre lutar pela
harmonização dos saberes (indiscutivelmente, apostar nesta procura, das coisas
que aprendi na Universidade, foi a mais importante). Que descarte os desprezos
vis, a soberba (admitindo que a Geologia possa se realizar com o mesmo zelo, pela
genialidade de um Darwin e pela intuição de um auxiliar de campo). E que em
tudo, seja feliz nesta profissão fascinante.
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