sábado, 9 de maio de 2015

crônica da semana - festival dos festivais

A pré-seleção
Sonhei, dia desses, que ia ganhar uma grana alta como vencedor de um festival de música. E eu que malmente me garanto num samba quadrado, logo me assanhei. Fui buscar nos meus apontamentos musicais a Bossa Nova que fiz em harmonia basiquinha de lá maior, há uns anos. Tudo, dizque, com meu próprio charme: letra e música. Numa ligeireza só, gravei um voz e violão e pronto. Estava no jeito pra embolsar a bufunfa. Fucei uns eventos próximos aqui no Pará, peguei na internet o endereço e me lancei aos ritos da inscrição. Mas quando, já! Dancei. Hoje em dia o manejo é mais em cima. Pra inscrever uma música, tem que estar tudo nos trinques. Gravação das melhores, arranjo, músicos de primeira, cantor afinado, e se possível, um naipe de metais na introdução. Esse negócio de entrar só com o charme, já era. Cabou-se.
Muito diferente daqueles tempos do Festival da Escola Salesiana do Trabalho. Ali sim, era uma maratona.
A regra era clara: tantas cópias datilografadas da letra (providenciada pelos próprios concorrentes). Nome do autor, preencher a ficha e só.
O próximo passo era apresentar a música na pré-seleção. Este era o estágio de maior sacrifício. Exigia paixão, entrega. Dos jurados e dos participantes. Era puxado. Marcávamos um sábado, convidávamos heroicos julgadores, avisávamos os candidatos e caíamos em campo. As apresentações começavam no início da tarde e varavam a noite. Tirando uma pela outra, acho que desfilavam ali no palco mais de 100 canções. Era uma sessão, sem dúvida extenuante. Havia um intervalo em que a gente fazia um agrado para os jurados (normalmente gente de peso do mundo musical paraense que se oferecia em sacrifício aos filhos de Dom Bosco, naquele dia. Os Proença da Feira do Som. Walter, o Bandeira. Saint Clair do Sesi...), e servia um bolachão com chope de groselha, acepipes conseguidos na cantina da escola.
Na pré-seleção, sim, os candidatos tinham que se virar só com o charme. Como eram muitas músicas, não tinha nem como munir-se de tantos suportes. O tempo era contado. O custo de plugar o violão, ajeitar o microfone e soltar a voz. E o candidato que se apresentava uma da tarde, tinha que ficar por ali até terminar as outras exibições, porque o resultado saía no mesmo dia. A regra era clara: as 24 finalistas, fosse a hora que fosse o final das apresentações, deveriam ser divulgadas pelos jurados (coitados, cuidados a bolachão!). A partir dali, já era valendo.
O Festival de Música Intergrupos de Juventude da Escola Salesiana foi, durante anos, considerado um dos mais importantes eventos musicais da cidade. Patrocinado pelos Sorvetes Gelar (produto cujo desaparecimento traduz a ferocidade com que o canibalismo industrial atuou sobre nossa cidade).
Ressalte-se que o picolé da Gelar dava de dez em qualquer geladinho de shopping de hoje em dia, e ainda premiava com um violão e um troféu os primeiros colocados no festival.
Sonhei ganhar uma ponta firme num festival, mas um picolé de coco da Gelar já me valia. Sonho...Vontade geladinha, olha.


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