Os
artistas da Rondasa
Os ventos
sopraram de Belém para o extremo oeste do Brasil por aqueles dias e semeou na
planície do Madeira, uma legião de mentes-sementes iluminadas. Eram os artistas
da Rondasa.
Uns cantavam,
outros faziam artesanato, muitos eram craques no palco. Jorge, Ciça,Valéria,
Pipico...Todos viajantes, conquistadores, paraenses, amantes das artes.
Em Porto Velho,
eu procurava me enturmar. Mesmo na mineração, na lida bruta das matas, não perdia
a ternura, uma horinha que tivesse de folga, religava meus fios e energizava
meus pendores a outros ofícios, corria atrás das minhas artes. Me dei com uma
galerinha finíssima da música. Binho, Bado, os imigrados do Maranhão, Zezinho,
Dicap, Neidinha. Deu certinho que o Estado disparou as inscrições para o Femuro
(Festival de música de Rondônia), eu frequentava a casa dos meninos
maranhenses. Aprendi coisas com eles. Percebi que jovens audaciosos,
destemidos, revolucionários, também podem ser reverentes, comedidos, ter na
família o lastro, a segurança. Eu ficava demais admirado da relação dos meninos
com o pai deles. Não imaginava que aqueles carinhas rebeldes, que de guitarra
em punho, num show em praça pública, piravam nas harmonias vanguardistas; em casa,
formassem a típica família de interior, daquelas que os filhos tomam bença,
beijam a mãos dos pais. Era fã deste comportamento dos meninos e do verso
‘denominadeiro’ de Zezinho: “de quebra o amor é pouco e eu fico louco por você
rainha”. Com a licença da música, me acheguei ao lar deles. Aprenderam a melodia
composta em Belém pelo mago Arlindo Francisco, do Hera da Terra. Neidinha
decorou a letra (minha) e durante as minhas visitas, a gente cantava
“Desexistir”, um poema montado sobre um neologismo fabricado por mim, aos 19
anos, fiel em desfazer em versos os males que enfrentamos em dores. E
alimentamos a esperança de ir para a final do festival com ela.
A Rondasa era
uma loja, de automóveis se bem me lembro. Era a referência para se chegar à
casa dos artistas paraenses. Estavam sempre juntos, eram compromissados,
cultivavam a amizade, quase uma irmandade. Cheguei até eles pelos maranhenses e
também pelo Éder, pela Berna, meus irmãozinhos que circulavam pelas artérias
culturais da cidade.
Eu tinha uma curiosidade
em saber a origem daquela confraria. O que fez aquele grupo de talentosos
artistas se abalarem para tão longe? Também não perguntei. Não era o caso e nem
era condição imperativa para nossas prosas. Era só pra eu saber mesmo. O certo
é que no alvorecer dos anos 80, Rondônia era uma espécie de El dourado. Havia saído
da condição tutelada de território para a autonomia pujante de Estado no início
da década e apresentava condições e tentações para realizações de sonhos,
inclusive, artísticos. A realidade é que meio mundo estava indo pra lá
experimentar. Os artistas da Rondasa, imagino, navegavam nestas águas. E era
bom demais encontrar com eles. Na casa que moravam acontecia de um tudo.
Performances, exposições (meu amigo Fernando Perdigão deu uma canja em óleo
sobre tela por lá), muita música. Poesia, instalaçõs. Anos mais tarde, os
encontrei, de forma salteada, a todos os artistas da Rondasa, em Belém,
cuidando da vida. Estavam de volta. Haviam cumprido o ciclo. Experimentado. Os
maranhenses ficaram por lá e minha música não ganhou o festival.
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