As
águas (e as viroses de março)
Pra onde a gente
se vira é gente se batendo com a tal da virose. Dizque são vários germezinhos
de cepas diferentes, por isso a dificuldade de um ataque certeiro ao pestezinho,
com uma vacina ou com uma ‘piula’. Aí, a gente é que pena. Ainda vou criar
vergonha na cara, estudar as coisas na real e descobrir qual a relação das
gripes gerais com o período chuvoso. Mamãe dizia que é porque a gente fica
exposto ao serenado das noites, aos respingos das marquises, à roupa ‘enxombrada’
e secada no corpo. Dizia que a gente ficando muito tempo ‘mulhado’, dá o
enfraquecimento e a gente baqueia. Já alguns especialistas dizem que, como as
chuvas estimulam o confinamento, a gente acaba dividindo nossos milhões de
vírus, a cada espirro, com mais gente. O contágio é turbinado no período
chuvoso (uma boa explicação: e quem já pegou um ônibus naquela hora que todo
mundo fecha a janela quando a chuva arria de com força, imagina o estrago que
um espirro deve fazer naquele ambiente abafado).
Março tá
mantendo a escrita. Tá chovendo e não é do trisca não. As agências de
meteorologia projetam a média acima de 500 milímetros para o mês. Para
nosotros, pobres mortais, não é fácil traduzir na risca, esta medida para a
rotina, mas dá pra ter uma ideia. Pela quantidade de alagamentos que Belém
sofreu na chuva que desabou na última lua nova, a gente percebe o transtorno
que 500mm contados no mês causam à nossa cidade, à nossa paciência e aos nossos
narizes corizados.
A chuva, deixo
claro, é sempre coisa boa. Inspira, irriga, esfria. Contratempos, feridas
ambientais, gripes são consequências das nossas insensatas relações com as
águas.
Em março,
comemoramos o dia mundial da água. É uma chance que temos de reconhecer nossa
amizade e de proporcionar a reativação plena de cada gota. É tempo de pensar em
reuso, em proteção, em economia e utilização racional dos nossos recursos
hídricos. É tempo de entender e agradecer à natureza por este bem absolutamente
imprescindível à criação e à manutenção da vida.
Neste mês, no
dito dia 22 da água, comemoramos também o aniversário do sarau do quintal. Há
dois anos, a petizada da família teve a ideia de fazer um vitrolaço aqui em
casa, valendo-se da curiosidade pelo funcionamento do meu três-em-um e da pilha
de vinis que eu havia trazido de Barcarena. Nos reunimos no sábado, pusemos a
vitrola pra tocar, foi chegando gente, cada um com um instrumento, cada qual
com sua poesia. Varamos a madrugada tocando, recitando poemas, praticando a
amizade, a comunhão dos talentos. Tomamos gosto, repetimos o encontro a cada
mês e lá se vão dois anos de sarau. Contando sempre com muitas e bem vindas
surpresas, com convidados ilustres e com uma galerinha jovem que abrilhanta a
noite.
Por fim,
arrematando o traçado de datas a prestar reparo, alego a importância do dia 27
de março. Num dia como esse que ontem nos proveu, há nove anos, publicava pela
primeira vez aqui na coluna. São contados, portanto, nove marços ininterruptos,
lembrando causos, registrando fatos, proseando nos dizeres das ruas, da mamãe,
da vizinha e da madrinha; buscando aproximar a minha traquinagem literária da
incerteza que a gente tem da vida; e da convicção que a vida tem da gente.
Vencendo as gripes, entendendo, e ao mesmo tempo, levando fé nas águas pródigas
de março.
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