Exame de vista (santo anjo do Senhor)
A gente sai de casa que nem malda, né, numa pose. Põe uma roupa leve, porque o calor em Belém tá de a gente correr doido. Uma bermuda simplesinha, chinelo, um dinheirinho no bolso para um chope de groselha, no semáforo, se a secura for tanta. Nenhum esquema especial. Articulação, aquela mínima: “se demorar muito, já almoço por ali mesmo”. Meninos na escola, patroa no trabalho. Despreocupação e normalidade.
Sou um cara meio desatento comigo. Não me cuido, é vero. Vou ao médico uma vez na vida, outra na sobrevida. Dia desses, na fase sobrevida, dei uns bugs de pressão e, olha, logo que me aviei para umas coisas que me aporrinham em silêncio. Aproveitei e emendei em outras que gritam dentro de mim, mas não ouço assim, todas as horas, só de vez em quando. O certo é que se não der passamento, não rolar uma cara branca, uma dorzinha aqui, outra ali, não vou mesmo. Não sou dado a checape não.
Ocorre que desde o início do mês, tô me batendo com médicos (menos cardiologista, este pelo qual meu coração clama, me parece que professa uma especialidade em extinção, não se acha em Belém unzinho que tenha tempo para este humilde servo do condado do Xapuri, o jeito, por ora, é apelar para a Coramina), consultas, exames, papeladas e diagnósticos. Tô levando a sério, ora, quero viver mais e melhor.
Deu-se então que nesta última segunda-feira, cumpri o rito. Saí todo pintoso, banhado, entalcado, todo prosa-cor-de-rosa, para fazer um exame de vista (aí eu confesso: se recomendação alguma havia para levar acompanhante, não li. Uma, porque a vista tá pouca, por isso os exames; outra, porque não corri os olhos no prospecto que me deram lá no consultório, nem por curiosidade. Decorei o dia, o horário e só. Nem o nome do exame eu sabia). Dancei. Paguei pela minha sensaboria.
A pupila da gente é aquela bolinha que fica bem no meio dos olhos. Funciona como se fosse o obturador de uma máquina fotográfica. Quando o ambiente tem pouca luz, ela se dilata buscando perceber toda a luminosidade do lugar. Se, por outro lado, o ambiente tem muita luz, a pupila se contrai, fica pequenininha e só deixa passar a luminosidade necessária para definir as imagens. Já viu um obturador de máquina fotográfica funcionando? É do mesmo jeitinho. No caso da máquina-homem, quem faz as demandas para a pupila é o cérebro. Ele é que comanda o abrir/fechar da forma que melhor lhe apraz. Isso quer dizer que a dosagem de luz através da visão está subordinada a uma regra natural. É uma propriedade seletiva do nosso cocuruto.
Daí que quando a gente vai fazer um exame de vista, na maioria das vezes, fazemos durante o dia, com o sol por acolá de forte, distribuindo, aos quatro cantos, fótons pra lá de espevitados. E nossa pupila, obediente que só ela, nem se atreve abrir além da conta, fica ali, apertadinha que ela não é besta. Mas como temos que fazer o tal exame, o que a natureza não subverte, um bom colírio dilatador providencia. Dois pinguinhos, uns lacrimejos e as nossas bolinhas, contra a vontade, se dilatam, viram bolonas.
Já dá pra adivinhar o desnorteio que me vi, quando saí do consultório, né. Me vi azuruotinho ali no meio da rua, com o cérebro dizendo fecha, o colírio dizendo não fecha e o mundo se mostrando para mim num amplo, isotrópico e inclemente clarão.
Não tinha companhia, é certo, aquelas representadas por parentes, amigos ou aderentes. Mas sozinho, também não estava. Até que eu conseguisse discernir alguma coisa, fui guiado, com absoluta certeza, até em casa, pelo meu anjo da guarda, santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador.
Amei sua crônica poetamigo!! Dei boas gargalhadas... porque como você, eu já passei pela mesma situação quando fiz pela primeira vez esse exame...kkkkk
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