sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

crônica da semana- tua graça


Segundo andar

A gente, toda vez que acabava a aula de Educação Física, ficava por ali, espiando as meninas na hora delas. Era uma resposta que a gente dava àquela explosão de hormônios, àquela mensagem ancestral de que devíamos atentar, seja por curiosidade, seja por desejo, para aquele gracioso serzinho da nossa espécie. 
Naquele dia, fiquei peruando o vôlei. Aquela garota bem mais crescida que as outras, pele rosada e cabelos ligeiramente avermelhados, me tirava de rota com aquele brilho concupiscente. Quente. Há dias que eu encostava ali, no corredor que dava pra  quadra improvisada no terreiro, apreciando aquela estrela  fulgurar num lado, n’outro da quadra de terra batida e capim ralo, admirando o jeito que ela passava a bola de manchete... 
Para a minha incontida alegria, no fim do jogo, ela me sorriu um sorriso amigo e disparou a pergunta: “qual é a tua graça?”. Por vários motivos, não respondi a pergunta, mas não dei uma volta mesmo, porque eu lá sabia o que ela queria dizer com aquela frase. Graça? Qual a minha graça? 
Sabia que ela era da oitava. Eu era da sétima. Éramos do turno da tarde e fazíamos Educação Física pela manhã. De tarde, com o uniforme tradicional, sapato boneca (com meias soquetes duplas, para engrossar as pernas), saia plissada, tirando a estatura um isso além da normal, não chamava atenção. Era uma menina como todas as outras, que comia a unha do unheiro com bastante pimenta, acompanhada de um chope nem tão mole e nem tão duro, de frutas artificiais e que tinha uma embalagem plástica rija que o chopeiro cortava com a gilé. Na hora do recreio, dava umas carreiras no corredor empastelando o futebol jogado com cacos de lajota e voltava pra sala fedendo só a moleque. Mas só com a turminha da oitava. Nessas presepadas mais libertinas, não se misturava. Cuidava de ter a conivência e estar protegida pelos seus. 
Não sabia qual era a minha graça e nem sei até hoje como, um tempinho depois do nosso encontro à saída do jogo de vôlei, e adiante àquela desconcertante pergunta que eu não soube responder, estávamos atracados ao pegado do muro do Bosque. 
Por aqueles dias, para nós que estudávamos no Jarbas Passarinho, Tudo que não era na frente, na Almirante Barroso, era atrás do Bosque, mesmo que fosse o lado da 25, da Lomas, da Perebebuí. Os nossos tórridos momentos se deram naquele estirão da Perebebuí.  Do perímetro do Bosque, era o que tinha menos movimento àquela hora e nem tinha casa por lá. O quarteirão era dividido entre os zunidos das bombas da Cosanpa, e os sussurros sofridos dos pacientes do Hospital Juliano Moreira. 
Foi um presente dos deuses, aquela pequena me dar ibope. Ela, já foi dito, era de uma belezura, uma docilidade. Tinha uma coisa que inebriava (acho que aquela postura natural, não intencional, de mulher grande, sedutora, perturbadora). 
Mas tô procurando interpretações e causas, agora, porque naquele dia, destrambelhei, entonteci. Subi aos céus e não dei mais para os meus pés aqui na terra. Amei, com a ingenuidade que se ama quando a gente tem 13, 14 anos. E com muitas, e isso eu recordo benzinho, muitas restrições. Frases ensejadas me freavam, me barravam as mãos. “Te aquieta, te aquieta...”. 
Tornei aos meus pés, quando a molecada começou a passar para o intermediário e as vaias rolaram. Eu havia sobreposto alguns tijolos que tinham dado lugar a um buraco no muro, e subido neles para poder alcançar a minha pequena, porque eu era pequenininho, mirradinho mesmo. Da rua, os moleques caçoavam da situação. 
Qual a graça? Estava no segundo andar. Qual a minha graça? Até hoje, não tenho a resposta. 

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