A parede da memória
Estive
aí pensando sobre a capacidade que a gente tem de lembrar das coisas. Acho que
por causa do enredo daquela novela da Globo na qual a trama se desenrolava a
partir do roubo de uma criança ocorrido em 1968 e (caramba!), uma pá de tempo
depois, o rapaz, irmão da bebê raptada, dizia
lembrar de tudo, tintim por tintim . Égua da memória!
Eu,
por mim, não teria esta competência, mesmo porque tenho uma capacidade
reduzidíssima de guardar as coisas. Até eventos acontecidos na biqueira do tipo
ano passado ou mesmo ontem de tardinha, já me são um sacrifício lembrá-los.
Aí,
ante esta dificuldade, e como eu não tenho traumas
Catalisadores
como o pequeno da novela, crio uns mecanismos, arranjo uns truques que me
voltem à cena.
Vou,
digamos assim, tateando créditos, fuçando evidências, embaralhando ficção e
realidade, até que a história se mostre coerente, verossímil , daquelas que não
tem errada.
E
se, no final as coisas se encaixam é porque estão numa lógica. Assim, a
história, qualquer que seja, pode até estar longe na memória, fugir um pouco da
realidade e ter uma pitadinha de vontades diluídas no mar de nossas frustrações,
mas não fica nem um pouco destrambelhada . E esta passagem, eu juro de pé junto
que aconteceu.
Era
uma noite umedecida pela chuva fina, lá pelos idos de oitenta e poucos. Mês de
julho. A debandada para as férias em Mosqueiro esvaziara a minha turminha da
tertúlia na New Wave e eu voltava sozinho para casa.
Ali
na baixada da Pedreira, o alagado era um só. Eu tinha que saltear as passadas
entre os caminhos de terra firme e os estirões de pontes mal cuidadas que iam
desde a Itororó até os altos muros da Escola Salesiana.
Grilos
cantavam afoitos, pirilampos animados iluminavam tufos alastrados de capim,
sapos coaxavam roucos em homenagem ao pampeiro que desabara sobre a cidade
desde a tarde e que àquela hora da noite era só uma garoinha.
Ninguém
na rua, mas eu não tinha medo. Já estava acostumado àquela batidinha noturna.
Quando
enfim, eu dei na esquina do Centro Auxilium, que susto! Uma nave enorme, de
fuselagem reluzente e luzes faiscantes pairava sobre a solidão da Alferes
Costa. Flutuava a uns dez, vinte metros de altura, no máximo. Estava bem
pertinho de mim. Pela janela, dava até pra ver uns equipamentos de controle e
alguns ET’s verdinhos tagarelando e apontando insistentemente para mim. Explodi
apavorado: “Égua, moleque, é o Chupa-chupa!” Depois as luzes foram ficando mais
fortes, mais fortes, eu ficando encandeado, as luzes ofuscando tudo em volta, eu
fui saindo de mim, me entregando a umas sensações estranhas...Depois, os
sentidos sumindo...Sumindo...
Fui
abduzido.
Isso
aconteceu há pelo menos uns vinte anos. A minha memória, como disse, não é lá
essas coisas. Então, que fique claro: a cantoria dos grilos e sapos, os pirilampos
animados, os muros altos da Escola Salesiana, o alagado da rua foram
mentirinhas criadas para apimentar a história. A solidão da rua, as luzes faiscantes, uma reação
apavorada e tudo o mais, são a mais pura verdade. A absoluta verdade. Juro.
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