sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

crônica da semana - olhos gegel


Olhos acesos

A nossa evolução é também, uma questão de escala. As distâncias se encurtam conforme a gente vai crescendo. Um retorno à época em que o bairro do Souza era o lugar mais longe que a gente podia ir afirma esta suposição. Na real, percorremos o tempo estreitando os espaços. Varamos a infância visitando descampados sem fim, nos entregamos à adolescência e sonhamos ultrapassar os limites das veredas e dos sonhos; quando jovens, a nossa envergadura já se destaca, abarcamos e dominamos estirões e artes, antes distantes. Nos integramos e nos destacamos na mesma escala da paisagem ao redor. O mundo imponderável e frio fica mais perto. 
Este conflito e, ao mesmo tempo, este acerto de contas que temos com o espaço, é o que me chama a atenção agora, quando meu filho Argel de Assis completa 17 anos. 
Em contrapartida, é natural que para ele, as coisas e alguns sentimentos tenham se distanciado. A reclamação do pai ao largo, a exigência da mãe juntinho, o tamanho da cama de dormir, o interesse pelo lar, a preocupação com horário, o apego à bola jogada no quintal de casa. Não se abate mais ante medos justificáveis, pudores exigidos ou desafios custosos. O menino cresceu e ambiciona este mundo severo, inclemente, todo dele. 
Não se permite mais aninhar-se (embora eu reivindique isso) ao colinho do pai como na terça de carnaval em que me chegou aos braços com aqueles olhos de mel acesos e curiosos (como se houvesse nascido de olhos abertos tal qual um dos fantásticos Buendía do García Máquez). Nos apartamos, no tempo e no espaço, nas causas e razões, daquele momento extraordinariamente feliz em que abracei meu bebê pela primeira vez. 
Hoje, quando ele já apresenta uma barba discreta, mas harmoniosa e constante, no rosto, nossas pelejas são menos românticas. O mundo concreto está aqui, perto de nós (não se contraiu?) e exige que tenhamos uma conversa de homem pra homem. 
O bebezinho que puxava a tolha de mesa e trazia de tudo em quanto ao chão, agora, olha as coisas de cima, e até com aquela indelicada presunção que a idade abona. Ao mesmo tempo reza na cartilha da prudência, da responsabilidade. O mundo que anseia é medido e analisado, percebo isso e confio. 
Reconheço que há um quê de racionalidade nas atitudes dos nossos filhos, atualmente. E isso nos traz uma certa tranquilidade. Vejo no meu rapazinho, comprometimento, lealdade com ele mesmo. Há alguns anos, resolveu ser atleta. E eu nem queria falar isso agora, para que ele não se encha de pavulagem, mas admiro o caráter desta escolha. Optou por uma vida disciplinada, fiel aos objetivos. (Às vezes, tiro uma graça, faço uma pilhéria sobre o comportamento dele, sugiro um deslize, uma peripécia, uma transgressão, e de pronto me derruba com um argumento poderoso: “sou atleta, pai, tenho que me cuidar”). 
Entendo (oxalá esteja errado) que esta disposição, o estilo de levar a vida em livre escolha, indica também uma perigosa autoconfiança. Mas tô aqui, ó, só tareando, reparando nos movimentos. Tentando frear os exageros nas vitórias e os destemperos nas derrotas. Cuidando, aconselhando (ihhh, disse a palavra proibida), apontando os defeitos com sutileza, e pontuando as virtudes comedidamente. E eu aqui, o pai, me orgulhando deste meu amigo muito bacana que caminha para conquistar o mundo futuro que se aproxima. Esta crônica não é um recado criptografado, nem um velado sermãozinho. É um carinho chatinho, que faço no meu bebê e um desejo que, aos 17 anos, ele seja um personagem criador, generoso e que encare a vida livre de olhos acesos, como naquele nosso primeiro encontro. 

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