sábado, 12 de abril de 2025

crônica da semana - é capaz de

 É capaz e é bem capaz

Acompanho a turma que pensa que tal coisa assim, assim é difícil, mas é capaz de acontecer.

Dou fé e testemunho destas surpresas que se pulverizam no campo da probabilidade, e no mais que de repente, pluft, se realizam ali na nossa frente ou como um bólido, vêm de encontro à gente. Foi o que aconteceu comigo enquanto fazia a minha caminhada terapêutica num dia comum desses de sol raro, da época.

Estava na minha. Só na manha, só na batidinha da aeróbica. Ritmo bom, respirando no compasso do coração. Caminhava pelo canteiro da rua e cismei de atravessar para a calçada do outro lado, alpegada do Bosque, onde grassava uma fieira de árvores pródigas na boa fresca da manhã. Trânsito tranquilo, carro nenhum próximo, pista liberada.  Do meu ladinho, a ciclovia também não anunciava ciclista chegando perto. Olhei pra trás, gente correndo, caminhando, fiz um delta tê mental e cambei pro lado. Mas foi só uma lapada. Uma trombada federal. Lei da ação e reação na mais genuína experimentação. Eu prum lado, a pequena pro outro. Caminhantes vieram em socorro. Só fiquei meio zonzo pelo susto. Fiz a autoavaliação, nada quebrado, nenhum arranhão. Volvi à batidinha da manhã. Antes soube que a pequena que trombou comigo foi aquela que vi de relance enquanto me preparava pra atravessar e que pela resultante da função horária que elaborei na cabeça, de jeito e maneira cruzaria minha frente. Ledo engano. Simplesmente a menina era velocista em plena carreira contra o relógio, concentrada, focada, mirando, impávida o rumo, na direção do nariz. Não contava com minha guinada no repente. Quando tornou, já estávamos rebolando um pra cada lado.

O campo da probabilidade é campo de minas combinações, mas escaldado na missão, acompanhando a rotina dos freqüentadores contumazes da área, não achava ser capaz de acontecer uma colisão. A galera é contida, o mais ligeiro que se abala é numa puxada aeróbica só pra acelerar a suspiração. Quem corre, vai naquele jeitinho miúdo que se reduz a um trotado doce. Quando no meu toutiço que eu ia imaginar uma velocista-raiz infiltrada naquele mosaico de tímidos fundistas?

Um choque, um acidente de tal jeito espetacular que jogou o velhinho ali, lá longe no chão, no cedo do dia e rompendo o equilíbrio da serenidade e da cadência dos exercícios triviais foi fato raro.

Éraste-te! Parece uma coisa. Reinei até jogar na Loto, nesse dia. Nada, porém, vem do acaso, do jogo duvidoso de destinos. A atleta estava errada. Estava correndo na faixa destinada a ciclistas. Por isso não maldei quando olhei pra trás. Naquele rego da ciclovia, procurei bicicletas e não gente. Até vi de relance alguém correndo, mas em função do cenário, meu cérebro não processou. Não ligou lé com cré.

Estas anomalias devem, certamente, compor nossa carteira de sobressaltos e arrepios mesmo que a gente dê pouca trela pra elas. No entanto, o que inspira cuidados, o que nos põe em alerta mesmo é o que é comum, de tal forma que passa do capaz de acontecer e chega no alto grau do bem capaz de virar um fato.

Por exemplo, ficar de palmo em cima com uma motocicleta em plena passarela para caminhantes do canteiro da Marquês de Herval de Herval é bem capaz, a qualquer dia e a qualquer hora do dia. A probabilidade é altíssima principalmente naqueles trechos em que a calçada se dispõe de forma a ligar as duas margens do canteiro. É batata. Aquele pedacinho, na boa, é usado para mudar de pista. A calçada ali, é a extensão da pista de rolamento no termo e no jeito porque sequer reduzem a velocidade quando varam de um lado para o outro. Quem caminha, quem corre, aquele ciclista que usa a parte central do canteiro, cada um que se livre e se atine ao sobressalto.

Numa caminhada pela Marquês é capaz da gente achar prendas valiosas como um cajá madurinho. Mas é bem capaz da gente se emboletar, se surpreender. É bem capaz.

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