Noite em I(tu)panema
Juro
que nunca mais vou reclamar do calor de Belém. Égua do calor que suportei quase
não suportando aqui no Rio de janeiro nessa última semana. De correr doido
igual ao de Belém? Sim. De dar pilora e malemolência? Sim. De fritar ovo no
asfalto? Sim. Estas particularidades da quentura todas estamos é passados na casca
do alho. Nós, os paraenses, tiramos de boa. Mas tem um quê. Um plus, o calor do
Rio. Não sei explicar. Falo por mim. Fui envolvido em um desânimo, uma panemice.
Durante todo o tempo de altas temperaturas hibernei. Não achei coragem pra
nada. Só para um banho tático aqui e ali pra refrescar o corpo e mais nada.
Inclusive durante a noite quando o calor mormacento porfia com o dia de potências ígneas. Parei
pra ti, olha, RJ, jamais pensei que fosse sentir saudade do calor de Belém. Só
para ilustrar, acompanhei as medições de temperatura a cada instante por aqui.
Nos instrumentos localizados na estação de Irajá, aqui perto, houve registro de
temperatura cravado em 41 graus com sensação térmica de 46. E eu, mofino.
Só
tornei agora, de domingo pra cá, quando, como diz o povo por aqui, ficou mais
fresco.
Desde
então, retornamos a um clima humanizado. E aí, se der uma folga, o RJ arrasa em
várias frentes.
É
a primeira vez que fico tanto tempo por aqui. Tenho outras passagens. O certo e
cravado é que de férias, de boa na lagoa a vida por cá é uma coisa. Se o caso é
de morar ou de alta permanência, a coisa muda. A gente sente mais a cidade, os
dramas se realizam mais perto da gente. O cuidado com o controle de gastos é
maior. Embora eu me envolva em tudo como morador, não tenho as manhas ainda.
Não conto ainda com as dicas de feiras e supermercados mais em conta, pontos de
cultura com ingressos franqueados ou abaixo do mercado. Até mesmo o transporte
exige atenção. Há, com relação a Belém, uma oferta maior de mobilidade. No
entanto se eu não for rapaz, em duas voltas de metrô meu orçamento de
transporte do dia leva o farelo. E tem um calor único, específico, diferente do
que conhecemos. Impiedoso.
Até
fui à praia para aplacar os efeitos desse forno natural, do qual não se escapa.
Mas sabe como é né, as minhas surpresas, os meus enfrentamentos não cessam. No
pico das altas temperaturas, a areia da praia estava de queimar a sola do pé
mais cascudo. Entretanto, a água do mar estava beirando os 16 graus. Quando fiz
menção de pegar uma ondinha, ao contato mínimo com a água, fiquei estatuinha da
silva. Em choque. Da cintura pra baixo meu corpo se aperreou num quase
congelamento, além da cintura os miolos torrando. Pirei na maré. Até me acostumar
com essa arrumação de quente/frio, custou. Não o tanto de ensejar um mergulho.
Fiquei só no salpicadinho da água friínha lançada com as mãos sobre a cabeça.
Arremedando um asseio nos dias plúmbeos de Belém.
É daquele
jeito do Brasil. Tudo tem sua compensação. Agora pela passagem do aniversário
de Tom Jobim, houve uma vasta programação na praia de Ipanema (que eu por um
comichão onomástico, por uma insubordinação toponímica ou mesmo por uma
afirmação de origem, de forma que me conforte a distância e me faça sentir em
casa, me permito rebatizar de praia de I(tu)panema). No domingo, clima
apascentado, varei lá, à noitinha. Lembrei a primeira vez que viemos aqui.
Nossa família. De férias. Durante a viagem, não parei de cantarolar: “ a minha
alma canta/vejo o Rio de janeiro...”. O Samba do Avião compôs o repertório da
programação no domingo. Assistimos de longe, seu Jorge cantar, de vez em vez no
pegamos molhando os pés no tapetinho de água trazido pelas ondas, dessa vez
acomodada em agradável equilíbrio térmico. Ao fundo, a noite transparente, a
franja iluminada do Vidigal, o perfil ondulado sempre visível, mesmo no
contra-luz, do morro Dois Irmãos. A plástica perfeita. A sonoridade
irresistível. A cidade maravilha. Do quente/frio.