sábado, 21 de dezembro de 2024

crônica da semana - ninguém num se mete manga e eu

 Ninguém num se mete

O poeta Manuel Bandeira, encantado por Belém, fez versos Modernistas. E notou: em Belém há um novo tipo de infrator. O apedrejador de mangueiras.

Dá-se então, que desde o poema de Bandeira, somos tidos e havidos, Brasil afora, como aqueles que derrubam as mangas a pedradas. Verdade. Não nego. Não há entre nós belemenses, dou minha cara a bufete se esta não é uma verdade pura e clara; não há unzinho sequer de nós que não tenha tentado, em um dia qualquer da vida, derrubar umas quantas mangas do cacho com um lance de pedra, pau, manga ferida ou mesmo uma chinela bandada. É o nosso calibre, nosso jeito de lidar, e embora a polícia, no poema de Bandeira, tenha classificado a ação como arte produzida por um novo tipo de delinquente, não se trata. Não chega a tanto. O mais santo dos cristãos, o mais isento dos pagãos e mesmo um passante alheio, mas de moral e de espírito bom já se arvoraram em calibradas pontarias, sem o menor peso na consciência e sem mancha alguma na papeleta de delitos condenáveis.

Não tenho bronca nenhuma dos coletores de manga, seja qual método utilize, ou o impacto que causam ao passante alheio ou coletor circunstante. Hoje, até observo, é difícil a coleta usando o expediente de lançamento com pedras ou paus. Há uma legião de coletores optando por métodos mais produtivos. O mais comum é um carrinho espaçoso para acomodar bastantes frutas, uma vara longa dotada com um aparador de plástico rígido na ponta e razoável perícia do manipulador. Uma variação deste método é a substituição da vara com aparador por um rapazote que escala a mangueira, se mete entre os galhos, cata a fruta no cacho e larga embaixo a ser aparada pelo outro operador ajudado por uma sacola de plástico ou sarrapilha ajustada entre os braços. O ganho neste método é a qualidade. É mínima a chance de as mangas se ferirem ou se esbandalharem no chão.

Não sou um coletor. Estou ali no bolo do passante alheio, coletor de ocasião. E assim classificado, me enxiro traçar linha de tempo e vivência da safra que mina pelas ruas de Belém.

Desde que a mangueira chegou à nossa cidade, trazida da Índia, provavelmente pelos portugueses para cultivo doméstico, no século 18 e, posteriormente, em plantação de larga escala, como parte do atendimento ao plano urbanístico do intendente Antonio Lemos, a mangueira é nossa parça. Companheira de todas as horas. A partir da execução do projeto de Lemos, formaram-se os túneis verdes de Belém. Ambientes de forte impacto na confortabilidade térmica, nas combinas comunitárias, em reuniões, saraus e, definitivamente importante pelo seu caráter provedor. Muita gente, desde aqueles tempos, se acode da prodigalidade das safras, para aplacar a dor da fome. É comum, no tempo delas, as mangas constarem como a primeira e, às vezes, a única alimentação de quem vive na rua. Como dito, manga é uma fruta e contém todos os nutrientes importantes neste tipo de alimento. A manga tem vitaminas, sais minerais. Na hora da precisão, a manga mantém uma pessoa de pé.

A mangueira também nos atende indiretamente. Integra uma cadeia de atividades que desenvolvem ocupação na coleta, na venda de casa em casa, na feira, e também no beneficiamento da fruta. O mercado da manga garante o Baco-baco na mesa e a feirinha de muita gente.

As mangueiras ocorrem em diversas áreas de Belém, nos quintais, nas passagens, em grandes avenidas. Desde setembro os cachos começaram a se formar. Agora em novembro veio a maior graça, a fartura. Tem manga madurando todo dia. Ninguém deve ser hostilizado por usar este ou aquele método para coletar as mangas e nem pelo destino que dá às frutas. A mangueira é parça do desamparado, do vendedor, do coletor, do passante alheio como eu, que aqui, ali cata uma do chão. E aí... Somos só nós dois. Eu e a manga. Ninguém num se mete... Vale lambuzar.

 

sábado, 14 de dezembro de 2024

crônica da semana - a manga que cai

 A manga que cai

Neste instante em que escrevo, nos pertos do dia dez de dezembro, não minto não. Tive que esquentar uma água pra poder tomar banho. Bateu uma sensação térmica pro lado do friozinho aqui em Belém. Pela banda da tarde não encostou nos, até confortáveis, trinta graus a temperatura e agora já escurecendo, me ajeito nos agasalhos para enfrentar os glaciais 26 graus que se anunciam à boca da noite.

Tenho que falar do tempo e dos entremeios, dos escondidos dos fatos e das surpresas instigantes. Mesmo com a voz rouca da resistência. Ainda que enfrentando ecos adversos. Há de se guardar os instantes no abrigo da crônica para que mais tarde as verdades sejam checadas, os desfechos justificados e, que Deus nos acuda e nos perdoe, as previsões sobre as alterações do clima sejam, lamentavelmente, abonadas.

Tenho tudo na ponta do lápis. Desde o dia 30 de novembro que chove com freqüência em Belém. Um comportamento do tempo imediato, diferente dos usuais contados e vividos. Normalmente se espera a chuva mais constante, a partir da segunda quinzena de dezembro. Pelo menos pra mim, nas minhas lidas de rotina e profissionais, as medidas de adaptação ao período chuvoso só acontecem na segunda metade de dezembro. Só depois do dia 15 é que ensaio as providências. Ocorre que esta chuva, agora no traçado imprevisto, me pegou sem sombrinha, ora veja.

Sobre os entremeios, tem o caso relevante da chuva do dia 30. Não aconteceu pelo escrito do costume. Aqui da minha janela virou, mexeu acompanho o ritmo da chuva. Minha referência de intensidade é o chiado no telhado metálico do vizinho; e de velocidade e direção do vento, é um açaizeiro esticado que se impõe como índice ali pras bandas da Perebebuí. E que por linheiro que é, se verga mais ou menos, conforme a força da ventania. Tenho que pelo comum, inclina-se sempre pr’ali, pras bandas do centro da cidade. E este foi o dado curioso e que a rouca voz deve registrar. Naquele último dia de novembro, na hora da chuva, que chiou bastante no telhado do vizinho, o açaizeiro tombou foi pro lado das matas da aeronáutica. A chuva deu ao contrário. Fato raro. Percebi porque marco presença toda vez para apreciar a chuva da janela e nesse dia não deu jogo. O pampeiro vinha me molhar dentro de casa. Tive que fechar tudo.

São os detalhes, os escondidos dos fatos. Céu com nuvens de textura algodoada de manhã, temperatura abaixo dos trinta nas tardes, vento sul e forte de dobrar até embaixo o açaizeiro, nem bem começou dezembro. E vai aí um salve a este açaizeiro, heim. O bichinho verga, vai rés o chão, pros lados do sul, e como observado dessa vez, pro lado do norte, mas não quebra. Um herói de bailado dramático como se estrelasse uma peça clássica roteirizada em chuvas, medos e sobressaltos do clima.

Sem sombrinha, tenho que me conformar e me abeirar pelas marquises até comprar uma que abra bacana sem trançar os ferrinhos. Também, olhar com cuidado os eventos que se contrapõem aos meus conformes, e da mesma maneira, prestar reparo na mudança de modos. A chuva sempre vem dali, vem de carona com o vento que sopra de leste para dentro da floresta. O que maldo é que tanta nuvem pegou carona, que foi se empilhando lá na frente, sofreu um revestrés e voltou. Deu na chuva ao contrário. Do dia trinta pra cá, tomou jeito. O açaizeiro voltou a dobrar pra lá, pra banda do centro.

Deixa estar, que só nessa virada pra dezembro a temperatura média de Belém, se a gente for ousado nas contas, deve ter caído uns dez graus. Assim, no repente. Daí o choque e a piração de esquentar água pra banhar.

Outro choque foi o da manga que cai. Até o início do mês, chegava da caminhada com três quatro mangas taludas, que catava no pé das árvores distribuídas no meu trajeto.  Agora, nem o cheiro. Chego zerado em casa. A galera tá esperta, Acorda cedo, faz a raspa da manga que cai e eu, ó, cheiro na vara do batista.

 

sábado, 7 de dezembro de 2024

crônica da semana - camisa 7

 Camisa 7

Futebol, gosto mesmo é de jogar. Assistir de fora, não me animo muito. Os jogos andam meio chatos esses tempos e nos estádios, a gente toma uns sustos. A última vez que fui pro campo teve até bomba.

Ocorrem as forras. As últimas pelejas do bicola para se garantir na série B, acompanhei todas e agora por esses dias, tô ligadão no Botafogo, inclusive nas resenhas.

Prestei reparo nos comentaristas inventando modas de comparações e significâncias ao fato do atacante Luiz Henrique usar a camisa número 7 nos jogos do Botafogo. Mando lá o meu pitaco.

O Botafogo apresenta, hoje, um futebol de primeira. Faz jogadas que, há tempos, estavam desaparecidas dos gramados. O próprio Luiz Henrique tem um drible que resgata os ‘dibra’ fartos que praticávamos no glorioso Internacional da Mauriti. No primeiro gol do Botafogo contra o Atlético, no início da jogada, desmonta a zaga adversária e põe o zagueiro fora da foto com um guiza clássico, daquele jeitinho que os moleques da Mauriti faziam. O técnico, reconheço, cortou e arou no jogo do título contra o Atlético. Com a (justa) expulsão de um jogador logo na saída de bola, tomou uma decisão corajosa. Qualquer um de nós que nos julgamos dominar as artes e as táticas do jogo, faria logo a menção de tirar um atacante e pôr mais um defensor em campo. Temos a cultura da retranca, nos momentos difíceis. Seu Dori, treinador do Glorioso da Mauriti, não contaria conversa. Fecharia lá atrás e ainda orientaria a bola pro mato. O técnico do Botafogo surpreendeu pela ousadia (e que tem uma explicação). Manteve o time. Bola dentro. Encalacrou o técnico adversário, que acho, teve também a postura correta. Não substituiu um zagueiro por um atacante. Não foi besta não. Sabia o que tinha pela frente. Um ataque azeitadíssimo, jogando por uma bola espirrada, uma brechinha, ou uma chance de trabalhar jogada, mesmo em inferioridade numérica. Tinha razão de não abrir a guarda. Mesmo com a formação defensiva original, levou dois gols da máquina botafoguense, no primeiro tempo, ainda que contando com o dito um a mais. Que dirá tirando um defensor.

Mudou de idéia no segundo tempo. O técnico optou por reforçar o ataque. Deu sorte. Nem bem começou o jogo, deu um desconto com um gol absolutamente inesperado, do chileno Vargas, que com estatura modesta e boa colocação, superou os grandalhões guardadores da meta botafoguense. Desde aí, como diz a galera, o Atlético mineiro amassou. Time do Botafogo se aguentando só com dez jogadores foi ficando na baba. Estava na hora de entrar o Júnior Santos.

Entrou e disse pra que veio. Fez duas jogadas de velocidade e habilidade. Em uma delas, fez o gol que sacramentou a vitória do alvinegro carioca ante o alvinegro mineiro.

Poderia ser diferente? Não sei. Ninguém sabe. Os deuses do futebol nem aí para arriscar uma pitaco. Mas...

O mesmo Vargas, que abriu a porta da esperança para o Atlético e deu um susto na torcida do Botafogo, logo adiante perdeu dois gols que o Nikita, que era zagueiro do inquebrantável Internacional da Mauriti, jogador e serviços gerais do Cine Paraíso, mesmo dotado de poucos recursos técnicos, e nenhum faro de gol, jamais perderia. O Botafogo mesmo sem um jogador, mandou tão bem na decisão da Libertadores que parece que tinha o time completo somado ainda a uma torcida apaixonada e a um décimo terceiro elemento nessa conta vitoriosa: aquela mãozinha (ou aquele pezinho descalibrado) do Vargas. Ainda bem.

Quanto a camisa 7 do Luiz Henrique, ele dá, hoje, ‘dibras’ que ninguém mais dá, tem repentes decisivos e, por hora, tem contribuído com a boa campanha do Botafogo, no ano. Tem que honrar esta camisa que já emanou brilhos intensos quando usada por Garrincha, Jairzinho e Zequinha, a trindade fabulosa responsável por este pequeno aqui do extremo setentrional do Brasil, torcer pelo alvinegro lá da Guanabara.