domingo, 4 de agosto de 2024

crônica da semana - vai pros 15

 Vai pros 15

Eu era vicici. O custo era ter um jogo no Baenão, de noite, que me unia à patota do trabalho e tirava pra lá. O prédio do antigo supermercado continua no mesmo local e quase sem alteração. O Evandro Almeida é que passou por algumas modificações (não tem mais aquela área grande do lado da Almirante que nos meus tempos de menino boleiro, recebia uma carrada de moleques de tudo quanto é canto para os desafios no campinho de areia que existia ali. Mesmo espaço mais tarde cedido para bingos, depois, Carrossel, depois...).

Tinha 12 anos e já trabalhava de carteira assinada, no antigo Carisma e, no meu tempo, Pão de Açúcar. Desenvolvia a importante função de empacotador. Àquela época, uma atividade ambientalmente correta. Não se usava sacos plásticos. As compras eram, pela regra, acondicionadas em paneiros. Dois paneiros encaixados e forrados no entre espaço, por uma folha de jornal. A pedido do freguês, normalmente alguém a caminho da rodoviária, fazíamos uma embalagem para viagem, reforçada em caixas de papelão e bem amarradinhas com barbante sisal 2mm. Minha jornada era dura para um pré-adolescente que estudava no turno da manhã. Pegava às 3 da tarde e levava até às 11 da noite. A carga horária semanal ainda exigia trabalho aos domingos até meio-dia (mais até, porque depois de fechada a loja, ainda tínhamos que lavar o salão com sabão e escovão).

Eis que me bateu esta cena de exploração infantil, justo por causa dos jogos no Baenão. Era de confronte e a nossa saída do trabalho, não raro, coincidia com o finzinho das partidas. Como hoje, naquele tempo o transporte público era precário e depois das 11 horas, contávamos só com o cristo. Para dar um adianto na evacuação, quando faltavam 15 minutos para terminar o jogo, a administração do estádio abria os portões para as primeiras levas de torcedores que preferiam sair mais cedo. Era o nosso momento. Ainda com os uniformes do supermercado, ficávamos brechando uns lances aqui, ali, do lado de fora, pelos vagos do portão. Quando abria, enquanto a turma saía, a gente entrava, no contra fluxo, para ver os 15.

Agora inventaram essa marmota de jogos em horários diferentes, estranhos, sem combina, sem ação. No tempo que eu trabalhava no Pão de Açúcar, tinha aquele horário certo, acabava antes da meia-noite, a gente ia pra parada esperar o cristo.

O estádio era bem na biqueira da loja que eu trabalhava. Até me dava com alguns jogadores do Remo, mesmo sendo bicolor. Eram clientes, pagavam uma Fanta, alimentavam na gente a esperança de um dia sermos craques da bola. Também, sendo perto e nos dando os 15 de ganho, tive a sorte de ver cracaços em campo. Zico, Jorge Mendonça, Roberto Dinamite, Nelinho, Rivelino... Os visitantes de Paramaribo, o Moto-Clube. E ainda admirar os de casa. O motora Alcino que tantos nos fez raiva, Marinho, Cuca, Aderson, Amaral, Dico... Todos atravessavam a Almirante para umas comprinhas, de repente, também. O elenco do bicola, de vez em quando abeirava. Eu tinha um colega de trabalho que era primo do Edmir, lateral do Paysandu. E olha, a bola era coisa de família, o moleque meu colega jogava muito. Diga-se que vi o Edmir pegar um sufoco do Danival, ponta esquerda, em um jogo com o Atlético Mineiro, no Baenão, em que o Reinaldo ficou na reserva. Entrou no segundo tempo e... Destruiu. Era um monstro de talento.

Agora por esses dias o melhor do Norte, o Campeão, primeiro e único, dos Campeões, deu de jogar seis e meia da tarde. Na hora que a gente ainda tá no barco, a caminho de Belém. Uns amigos torcedores mais empedernidos se lamentaram por não conseguir chegar a tempo. Um mais inquieto fez as contas e concluiu que chegaria já no finzinho do jogo não valeria a pena. Lá da outra poltrona do barco, dei meu pitaco: vale sim, vai pros 15. Agora com a instituição dos acréscimos, contam ainda jogo pacas.

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