Mão de peão
Certa
vez me vi perdido na planada. Sabe aquela cena de cinema que pega uma pessoa
azuruotinha, no meio do nada querendo achar um rumo? Pois é. Euzinho aqui.
Trago na minha mão esquerda a marca dessa aventura. Devo, porém, começar pelo
começo.
Sou
da pesquisa. Minha trajetória na Geologia foi me embrenhando em mata fechada,
cavucando o chão. O desenvolvimento de um projeto de mineração se dá a partir
desse processo de procura, de prospecção. Nessa fase não se melindra a mata. As
campanhas se dão no ambiente puro, floresta densa, marcada, de acordo com a
fase de pesquisa, por um traçado de picadas. A selva e, especialmente esta
nossa no ambiente amazônico, é espaço embaraçado, de paisagens afins, contornos
e relevos semelhantes. Um pé pra gente se perder e passar um tempão mundiado.
As picadas, além do acesso às áreas de trabalho eram referências, tinham
amarrações, começo e fim graduados. Eram abertas também num limite de
caminhamento orientado em um determinado sentido definido na numeração sequente
das estacas de localização, dispostas ao longo do trecho. Não melindrava, mas
deixava minha marca no chão da floresta. Pelo menos a cada 20 metros, um buraco
de 4 polegadas de diâmetro. As amostras coletadas neste buraco é que definiriam
se ali seria montada uma mina ou não. No caso aí da minha mão de peão, deu
jogo. Passados uns meses da minha pesquisa, houve a supressão da vegetação e
uma terraplanagem primária na área. Tive que voltar ao local pra fechar umas
informações. Foi aí que me vi no ermo. O espaço não guardava nada, uma
lembrança sequer das minhas referências. Árvores, picada, estacas. Nada. Apenas
o colo nu da Terra. A cena do cinema. Eu naquele limpo e acima de mim o sol e o
céu infinito. Eterno, azul, abrigo etéreo. Dispersor das minhas inquietações,
dos meus medos e minhas dúvidas. Limbo isotrópico de vazios. Mundiações.
Labirinto sem quinas. Pra que lado vou?
Andava
sempre com um acompanhante. A gente fazia varações, entrava em partes adensadas
da floresta. Às vezes tinha galhos, árvores caídas, tínhamos que abrir
passagem. Pra ajudar na precisão eu tinha um terçado.
Fizemos
a varação, saímos no descampado e eu fiquei azuruote. Sem rumo. Andei prum
lado, pro outro. Fui até ali, além, voltei e nada. Estava pra desistir quando
puxei um rumo e vupt, meti o pé dentro de um buraco da minha pesquisa. Desequilibrei,
imbiquei pra frente e caí, Terçado na mão. O fio da lâmina riscou a banda do
meu indicador esquerdo. Sangue pra caramba. Eu já querendo chorar, um talho
deste tamanho. Golpe beiçudo e arrogante me derrubando da pose. Meu companheiro
se adiantou, tirou um trapinho da minha camisa, amarrou e pressionou o
ferimento. Tornei no tento. E dei com um alento. O acidente serviu para eu
encontrar uma referência e me localizar. Tinha até a plaquinha de identificação
do furo no lugarzinho dela mesmo. Dei um tempo, tratei o golpe e voltei lá pra
continuar minha missão. Até hoje ostento a cicatriz na falange do indicador.
Hoje discreta, aquietada.
Além
do risquinho na pele, me volta daquela ocasião, a minha mão de peão. Usava o
tato também para analisar as terras que encontrava pelo caminho. E daqui pra’li
me pegava exibindo uma montanha debaixo da unha. Unhas preteadas eram o ônus do
ofício, antes de desleixo.
E
olha no que deu um dia desses, d’eu me bater não sei em que obra num entretido
tal que quando dei fé, minhas unhas estavam têi têi de um pretume só. Estava
que era um latifundiário ostentando hectares de terra na cavinha dos cascos. E
nem cavucador de terra sou mais. Cuidei e fui me assear, passar uma escovinha
no alinhado das mãos, programando uma hora para aparar as unhas e manter a
higiene no padrão socialmente aceitável. Só que não posso aparar no rés o gasgo.
Tenho que tê-las num esticado discreto e funcional. Gosto de tocar um violãozinho
de quando em vez.
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