O céu do madrugador
Olha
no que deu. Me tornei aquilo que eu mais temia. Um madrugador.
Acompanhei
gente pacas ao longo dos anos, que cedo, antes da luz do sol já estava de pé.
Em todas as ocasiões eu só sabia do fato. Não testemunhava, ou por outra, já
encontrava o personagem aceso, voltando da cozinha, tomado café, e pronto para
o dia. Exatamente porque me pelava de revolta só de pensar em acordar cedo
daquele tanto.
Tinha
uma penca desses outros no acampamento às margens da Transamazônica, à época de
minha jornada em Altamira. Era um acampamento base. Um entreposto. Todas as
equipes no caminho de períodos longos internadas na mata, davam um tempo ali.
Era o momento em que juntávamos vários profissas no amplo alojamento dos
graduados: um salãozão de alvenaria, banheiros internos com instalações
sanitárias, chuveiros, até espelhos para se apreciar. Dois conjuntos de tubos metálicos
grossos estendidos de fora a fora no comprimento do salão serviam para lançar a
corda de atar a rede. Sempre tinha uma lotação apurada. E diversa. A quantidade
potencializava os calibres. Eu era do calibre de ir até na biqueira do horário,
já na batida da campa de sair pro batente. Mas tinha uma ruma de madrugadores.
A construção para o normal das atividades que a gente fazia era coisa rara, e
beirava o chique. Estávamos acostumados a nos aviar com o barraco nas costas,
parar num limpo, abrir as lonas, e montar acampamentos precariozinos, só para
poucas noites. Aquela parada ali na beira da Transamazônica era uma acomodação
5 estrelas. Do contra tem uma. Uma situação das mais delicadas que vivi e que
se destaca entre as minhas aventuras nos ermos amazônicos.
As
vezes que saíamos pra cidade de folga, nossas tralhas ficavam no barracão.
Sempre ficava gente, tinha porta telada, piso no encerado e seco. Havia uma
sensação de segurança marcando o lugar. Deixa que quando cheguei da cidade,
numa ocasião, peguei minhas roupas na bolsa, equipamentos dos jiraus que
serviam de estante, fiz o pelo sinal e me arrumei pra ganhar o trecho. Quando
peguei minha boroca e lancei a alça no ombro, senti um remelexo aperreado no
pendurado da bolsa. Pensei logo ser uma cobra. Sapequei o embornal no susto, ao
longe do chão. No cair de arrasto pelo assoalho, o frágil atracador abriu e de
dentro saltou uma centopéia monstra. Vocês podem até me chamar de mentiroso.
Mas eu juro. Uma teba. Sem tremer a cara, afirmo que o diâmetro da lacraia
lembrava na folga, uma pithula cola. Chega fez barulho quando bateu no chão. No
que ganhou a liberdade, cem pernas pra que te quero, ela saiu no pinote com mais
de mil. Foi uma coisa espantosa. Aquela criatura serpenteando por entre nós num
atabalhoado translado de cá a lá, sem rumo definido e a gente saltando de um lado
pro outro com medo dela encostar e disparar um veneno, dizque, letal, que eu
acreditava claro que fosse. Letal e poderoso o tanto de derrubar cavalo. Daquele
tamanho, só podia ser. Boa coisa não vinha dali. Até que apareceu um herói e
deu a conta da bichinha. Fomos salvos por uma indefensável bicuda. A centopéia
caiu lá fora no terreiro. Foi o custo dela tornar e se aprumar no pinote para
longe e para sempre. Graças! Passado o susto, voltamos à rotina. E, sim, os
madrugadores...
E
agora sou um deles. Há coisa de 10 anos o despertador me joga fora da cama às
quatro da matina todo santo dia da semana útil. É uma rotina para os fortes.
Agora do meio em diante, ando reinando de não dar bola pro triiiimmm barulhento.
Mas quando que posso! Meus segundos no rumo do trampo são contados. Não posso
me dar o luxo ‘de só mais um pouquinho’ de sono. Para não cair na tentação,
deixo o despertador no maior volume e longe de mim. Isso me força a levantar e
aceder de prima, sem remancheios.
Saio
de casa com a luz das estrelas ainda. E me reconforto da quebra da cabeça do
sono com cada paisagem no céu...