sábado, 31 de agosto de 2024

crônica da semana - madrugador

 O céu do madrugador

Olha no que deu. Me tornei aquilo que eu mais temia. Um madrugador.

Acompanhei gente pacas ao longo dos anos, que cedo, antes da luz do sol já estava de pé. Em todas as ocasiões eu só sabia do fato. Não testemunhava, ou por outra, já encontrava o personagem aceso, voltando da cozinha, tomado café, e pronto para o dia. Exatamente porque me pelava de revolta só de pensar em acordar cedo daquele tanto.  

Tinha uma penca desses outros no acampamento às margens da Transamazônica, à época de minha jornada em Altamira. Era um acampamento base. Um entreposto. Todas as equipes no caminho de períodos longos internadas na mata, davam um tempo ali. Era o momento em que juntávamos vários profissas no amplo alojamento dos graduados: um salãozão de alvenaria, banheiros internos com instalações sanitárias, chuveiros, até espelhos para se apreciar. Dois conjuntos de tubos metálicos grossos estendidos de fora a fora no comprimento do salão serviam para lançar a corda de atar a rede. Sempre tinha uma lotação apurada. E diversa. A quantidade potencializava os calibres. Eu era do calibre de ir até na biqueira do horário, já na batida da campa de sair pro batente. Mas tinha uma ruma de madrugadores. A construção para o normal das atividades que a gente fazia era coisa rara, e beirava o chique. Estávamos acostumados a nos aviar com o barraco nas costas, parar num limpo, abrir as lonas, e montar acampamentos precariozinos, só para poucas noites. Aquela parada ali na beira da Transamazônica era uma acomodação 5 estrelas. Do contra tem uma. Uma situação das mais delicadas que vivi e que se destaca entre as minhas aventuras nos ermos amazônicos.

As vezes que saíamos pra cidade de folga, nossas tralhas ficavam no barracão. Sempre ficava gente, tinha porta telada, piso no encerado e seco. Havia uma sensação de segurança marcando o lugar. Deixa que quando cheguei da cidade, numa ocasião, peguei minhas roupas na bolsa, equipamentos dos jiraus que serviam de estante, fiz o pelo sinal e me arrumei pra ganhar o trecho. Quando peguei minha boroca e lancei a alça no ombro, senti um remelexo aperreado no pendurado da bolsa. Pensei logo ser uma cobra. Sapequei o embornal no susto, ao longe do chão. No cair de arrasto pelo assoalho, o frágil atracador abriu e de dentro saltou uma centopéia monstra. Vocês podem até me chamar de mentiroso. Mas eu juro. Uma teba. Sem tremer a cara, afirmo que o diâmetro da lacraia lembrava na folga, uma pithula cola. Chega fez barulho quando bateu no chão. No que ganhou a liberdade, cem pernas pra que te quero, ela saiu no pinote com mais de mil. Foi uma coisa espantosa. Aquela criatura serpenteando por entre nós num atabalhoado translado de cá a lá, sem rumo definido e a gente saltando de um lado pro outro com medo dela encostar e disparar um veneno, dizque, letal, que eu acreditava claro que fosse. Letal e poderoso o tanto de derrubar cavalo. Daquele tamanho, só podia ser. Boa coisa não vinha dali. Até que apareceu um herói e deu a conta da bichinha. Fomos salvos por uma indefensável bicuda. A centopéia caiu lá fora no terreiro. Foi o custo dela tornar e se aprumar no pinote para longe e para sempre. Graças! Passado o susto, voltamos à rotina. E, sim, os madrugadores...

E agora sou um deles. Há coisa de 10 anos o despertador me joga fora da cama às quatro da matina todo santo dia da semana útil. É uma rotina para os fortes. Agora do meio em diante, ando reinando de não dar bola pro triiiimmm barulhento. Mas quando que posso! Meus segundos no rumo do trampo são contados. Não posso me dar o luxo ‘de só mais um pouquinho’ de sono. Para não cair na tentação, deixo o despertador no maior volume e longe de mim. Isso me força a levantar e aceder de prima, sem remancheios.

Saio de casa com a luz das estrelas ainda. E me reconforto da quebra da cabeça do sono com cada paisagem no céu...

 

domingo, 25 de agosto de 2024

crônica da semana - mão de peão

 Mão de peão

Certa vez me vi perdido na planada. Sabe aquela cena de cinema que pega uma pessoa azuruotinha, no meio do nada querendo achar um rumo? Pois é. Euzinho aqui. Trago na minha mão esquerda a marca dessa aventura. Devo, porém, começar pelo começo.

Sou da pesquisa. Minha trajetória na Geologia foi me embrenhando em mata fechada, cavucando o chão. O desenvolvimento de um projeto de mineração se dá a partir desse processo de procura, de prospecção. Nessa fase não se melindra a mata. As campanhas se dão no ambiente puro, floresta densa, marcada, de acordo com a fase de pesquisa, por um traçado de picadas. A selva e, especialmente esta nossa no ambiente amazônico, é espaço embaraçado, de paisagens afins, contornos e relevos semelhantes. Um pé pra gente se perder e passar um tempão mundiado. As picadas, além do acesso às áreas de trabalho eram referências, tinham amarrações, começo e fim graduados. Eram abertas também num limite de caminhamento orientado em um determinado sentido definido na numeração sequente das estacas de localização, dispostas ao longo do trecho. Não melindrava, mas deixava minha marca no chão da floresta. Pelo menos a cada 20 metros, um buraco de 4 polegadas de diâmetro. As amostras coletadas neste buraco é que definiriam se ali seria montada uma mina ou não. No caso aí da minha mão de peão, deu jogo. Passados uns meses da minha pesquisa, houve a supressão da vegetação e uma terraplanagem primária na área. Tive que voltar ao local pra fechar umas informações. Foi aí que me vi no ermo. O espaço não guardava nada, uma lembrança sequer das minhas referências. Árvores, picada, estacas. Nada. Apenas o colo nu da Terra. A cena do cinema. Eu naquele limpo e acima de mim o sol e o céu infinito. Eterno, azul, abrigo etéreo. Dispersor das minhas inquietações, dos meus medos e minhas dúvidas. Limbo isotrópico de vazios. Mundiações. Labirinto sem quinas. Pra que lado vou?

Andava sempre com um acompanhante. A gente fazia varações, entrava em partes adensadas da floresta. Às vezes tinha galhos, árvores caídas, tínhamos que abrir passagem. Pra ajudar na precisão eu tinha um terçado.

Fizemos a varação, saímos no descampado e eu fiquei azuruote. Sem rumo. Andei prum lado, pro outro. Fui até ali, além, voltei e nada. Estava pra desistir quando puxei um rumo e vupt, meti o pé dentro de um buraco da minha pesquisa. Desequilibrei, imbiquei pra frente e caí, Terçado na mão. O fio da lâmina riscou a banda do meu indicador esquerdo. Sangue pra caramba. Eu já querendo chorar, um talho deste tamanho. Golpe beiçudo e arrogante me derrubando da pose. Meu companheiro se adiantou, tirou um trapinho da minha camisa, amarrou e pressionou o ferimento. Tornei no tento. E dei com um alento. O acidente serviu para eu encontrar uma referência e me localizar. Tinha até a plaquinha de identificação do furo no lugarzinho dela mesmo. Dei um tempo, tratei o golpe e voltei lá pra continuar minha missão. Até hoje ostento a cicatriz na falange do indicador. Hoje discreta, aquietada.

Além do risquinho na pele, me volta daquela ocasião, a minha mão de peão. Usava o tato também para analisar as terras que encontrava pelo caminho. E daqui pra’li me pegava exibindo uma montanha debaixo da unha. Unhas preteadas eram o ônus do ofício, antes de desleixo.

E olha no que deu um dia desses, d’eu me bater não sei em que obra num entretido tal que quando dei fé, minhas unhas estavam têi têi de um pretume só. Estava que era um latifundiário ostentando hectares de terra na cavinha dos cascos. E nem cavucador de terra sou mais. Cuidei e fui me assear, passar uma escovinha no alinhado das mãos, programando uma hora para aparar as unhas e manter a higiene no padrão socialmente aceitável. Só que não posso aparar no rés o gasgo. Tenho que tê-las num esticado discreto e funcional. Gosto de tocar um violãozinho de quando em vez.

 

domingo, 18 de agosto de 2024

crônica da semana - por onde se enxêrga

 Por onde se enxêrga...

Sou do Norte, de tempo forte, quente úmido. Caboco da beira, dos parás e paranás entrelaçados de água e verbos.

E prestando aquele reparo no jeito, no dizque me disse diário, eu arrisco atestar que do paraensês raiz, a palavra que mais me parece da brenha das nossas naturezas e posses, da criação genuína e própria, é a dita ‘carapanã’, termo nosso que ninguém tasca, e que se impõe para identificar aquele mosquito zunidento que nos atenta o toutiço no melhor do sono. Eu que já andei pelos longes, vastos e densos mundos, em lugar nenhum dei de achar significante igual para o odioso mosquito. Se me perguntarem, qual a variação da língua que marca a região que moro, nem conto conversa. Ajo rápido e fácil na resposta e no alerta. “Gente, aqui se chama o mosquito da dengue de carapanã. Carapanã da dengue”. Outros fenômenos da língua não se esgueiram. Pelo contrário, dominam e nos dão a soberba da singularidade, nos dão destaque entre sotaques, dialetos e gírias. É o vocabulário onde nos abrigamos. Sonoro, muito especial e que, com uma ponta de orgulho chamamos de paraensês. Sou usuário desta língua. É minha língua materna. Vem, literalmente, de minha mãe.

Entendo que desenvolvo ainda hoje na minha rotina e na minha escrita, os mecanismos do discurso obedecendo uma lógica vã, espontânea. E disposta em fatias de expressões características e outras de arranjos na fala, ritmo, cadência.

Os termos e expressões são na escala de ruma e meia. E exercem uma função ali na biqueira de separatista da língua formal, vamos concordar. E tem aquela que se expõe consagrada como a mais comum e tipicamente paraense. É a tão repetida composição sincopada ‘pai d’égua’. É tão nossa, esta expressão, tão intensamente enraizada que, explicar para os que nos vêem de fora não é fácil. De outra forma, por cá, nos resolvemos nas mais pai d’éguinhas das compreensões mesmo diante das pai d’éguonas confusões dos visitantes.

É certo que falar o paraensês no seguir dos dias é um desafio. São muitas as pressões. Há a imposição de um padrão nacional, o apelo por um jeito uniforme, automático de falar e reagir. A gente escapa. Eu por mim, tenho como enormemente simpática a nossa maneira de dizer as coisas. Faço é gosto.

E nos detalhes, nas mais perfeitas percepções que minha mãe tinha na descrição do mundo. E da carapanã.

Carrego a herança da minha mãe neste recondicionamento lingüístico, nesta adaptação. Esta subversão da língua formal. E de vez em quando aqui em casa renovo, revivo as versões. Depois de uma noite me batendo com a cantilena da carapanã no ouvido, me avio a um recado no grupo da família pedindo que comprem remédio pra matar carapanã. Assim como mamãe, não chamo de veneno o agente de destruição dos indesejados. Chamo de remédio. O grupo da família pira e pilheria. No rastro me vêm outras peças de mamãe. Ambulância era assistência. Táxi, carro (chama o carro. Vai lá na Lomas chamar um carro, ela pedia para os meninos da rua). Palha de aço na antena da TV era uma porqueira (essa porqueira não presta. É só chiado). Centopéia das pequeninas era piolho de cobra; e das grandes, Santos pés.

Mamãe era paraense raiz e não se esquivava na filosofia, nos termos e na graça de uma elaboração conceitual para o doméstico conflito entre razão o poder. “para mim tanto faz, José como cazuza”, cravava expressando o mais profundo ceticismo.

E não se aperreava quando não havia numerário para comprar remédio de carapanã. Indicava, na hora de dormir, mesmo no calor de uma Belém de antes, se embrulhar dos pés à cabeça e deixar só o nariz de fora pra não forçar a suspiração.

Mamãe do norte, da margem dos parás e paranás. No outro dia, ainda que após a luta contra as carapanãs, se alguém lhe perguntasse sobre a vida, suavizava: “por onde se enxêrga... Vai bem”. Assim, desse jeitinho, com este ‘é’ fechado.

 

 

sábado, 10 de agosto de 2024

crônica da semana - o rei e a amiga dele

 O rei e a amiga dele

Um dia me vi rei de terra nenhuma. Meu horizonte e minhas posses eram divisados a partir de uma varandinha fantástica que se deslocava no espaço entre os andares do Manoel Pinto da Silva e as calçadas que volteiam o Bosque Rodrigues Alves.

Reservava, quando no prédio tradicional, ali pelo centro da cidade, um tempo sagrado para o café com a amiga, no final da tarde. Já nos arredores do Bosque, a cada ciclo de floração dos Ipês da 25, nos programávamos para nos confundir com o vulgo em caminhadas matinais, sempre a espera de um encontro com o bando monitorado de Jurupari que, de galho em galho, anima aquela mata residual urbana desde as eras idas. Chegávamos ao povo também para empreender as vozes, os andares, as corridinhas custosas que pautam vontades e ilusões aeróbicas.

O rei está nu. Sem rir, sem falar, nem por cima, nem por baixo. Cansado das lidas e das artes. Pira-paz.

(o respirar constante, o abrir e fechar os olhos umedecidos; simples translados de ruas e pensamentos vãos representam rotinas traiçoeiras, falsas justificativas. Tutelas antecipadas, desprovidas de remorsos, isentas de dó, piedade ou alguma expectativa de generosidade sinalizam o encontro das retas no finito do senso. A verdade é que o rei se engana. Não quer ser herói. Nem ostentar coroa de brilho pálido. Quer um leito confortável, a varanda no fim da tarde, teimar viver, amar, desfazer-se de terras imaginárias e posses pulverizáveis. Espera ter um dia após outro para espiar o bailado das estrelas, o caminhar imponente do sol, uma chuva aqui, ali, pra refrescar, o gorjeio dos pássaros ao largo, água limpa e pura pra beber. E dormir muito. Não se importa se as chuteiras que não chutam mais, sejam penduradas no prego atrás da porta).

O café fumegante estimula cuidados. A amiga ajeita os lábios à borda da tigela, faz menção de quem toca flauta transversal, franze o nariz pra reagir ao fumegado aquecido, dá uma prova no quentinho do café e se anima a um comentário banal apontando para um lugar qualquer da Praça da República. Atesto ser um movimento pretérito em jeito de se acabar. São as lendas boêmias vagando entre as mangueiras. Mulheres de cabelos aloirados, lábios avolumados pelo batom e cigarro entre os dedos. O olhar recriador flagra marinheiros de banzo, abandonados a meridianos de casa, em busca de ligeiro prazer, ao escondido da Samaúma. A memória localiza garçons de camisas bem passadas, contando um punhado de notas velhas abrigadas ao contorno da mão. Os dedos triscando o pacote, ao mesmo tempo sendo levados à ponta da língua, umedecidos, depois voltando a triscar o bolo de notas. É o apurado do momento. Mais uma cerveja, mesa e cadeira para a poesia. A chuva chega e joga todo mundo para a beirada do teatro. Fim de tarde e da história do bar.

Já na calçada do Bosque, a amiga admite como a sociedade é conservadora. Um senhor caminha de bermuda com cinto preto de fivela imensa, camisa de botão e um ar severo de justo e fiel. Um casal volteia de mãos dadas em postura marcial. Um caminhar disciplinado na ordem e no progresso. O homem, dono dos destinos, regras e todas as sortes e futuros, dá o ritmo da caminhada. A mulher que lute.

Um dia me vi rei. Tracei a saga inverídica de minhas conquistas. Idealizei uma amiga para partilhar comigo um cafezinho e risinhos inconfessos, suspeitos. Do conforto de uma sacada idealizada ou mesmo no rés do chão, modelei uma civilidade para ser criticada, observada, medida e que, embora conservadora, se fez forçosamente acessível. Saltei para o meio do meu povo e do meu mundo. Reconheci antigos fantasmas, ébrios cambaleantes com a cara amassada de sono. Quedei-me à finitude dos meus horizontes. Senti o amarelo dos ipês tocar minhas retinas e permiti às assombrações diurnas, sem que eu me esquivasse um isso, me perceberem cansado...Pira-paz, não quero mais.

domingo, 4 de agosto de 2024

crônica da semana - vai pros 15

 Vai pros 15

Eu era vicici. O custo era ter um jogo no Baenão, de noite, que me unia à patota do trabalho e tirava pra lá. O prédio do antigo supermercado continua no mesmo local e quase sem alteração. O Evandro Almeida é que passou por algumas modificações (não tem mais aquela área grande do lado da Almirante que nos meus tempos de menino boleiro, recebia uma carrada de moleques de tudo quanto é canto para os desafios no campinho de areia que existia ali. Mesmo espaço mais tarde cedido para bingos, depois, Carrossel, depois...).

Tinha 12 anos e já trabalhava de carteira assinada, no antigo Carisma e, no meu tempo, Pão de Açúcar. Desenvolvia a importante função de empacotador. Àquela época, uma atividade ambientalmente correta. Não se usava sacos plásticos. As compras eram, pela regra, acondicionadas em paneiros. Dois paneiros encaixados e forrados no entre espaço, por uma folha de jornal. A pedido do freguês, normalmente alguém a caminho da rodoviária, fazíamos uma embalagem para viagem, reforçada em caixas de papelão e bem amarradinhas com barbante sisal 2mm. Minha jornada era dura para um pré-adolescente que estudava no turno da manhã. Pegava às 3 da tarde e levava até às 11 da noite. A carga horária semanal ainda exigia trabalho aos domingos até meio-dia (mais até, porque depois de fechada a loja, ainda tínhamos que lavar o salão com sabão e escovão).

Eis que me bateu esta cena de exploração infantil, justo por causa dos jogos no Baenão. Era de confronte e a nossa saída do trabalho, não raro, coincidia com o finzinho das partidas. Como hoje, naquele tempo o transporte público era precário e depois das 11 horas, contávamos só com o cristo. Para dar um adianto na evacuação, quando faltavam 15 minutos para terminar o jogo, a administração do estádio abria os portões para as primeiras levas de torcedores que preferiam sair mais cedo. Era o nosso momento. Ainda com os uniformes do supermercado, ficávamos brechando uns lances aqui, ali, do lado de fora, pelos vagos do portão. Quando abria, enquanto a turma saía, a gente entrava, no contra fluxo, para ver os 15.

Agora inventaram essa marmota de jogos em horários diferentes, estranhos, sem combina, sem ação. No tempo que eu trabalhava no Pão de Açúcar, tinha aquele horário certo, acabava antes da meia-noite, a gente ia pra parada esperar o cristo.

O estádio era bem na biqueira da loja que eu trabalhava. Até me dava com alguns jogadores do Remo, mesmo sendo bicolor. Eram clientes, pagavam uma Fanta, alimentavam na gente a esperança de um dia sermos craques da bola. Também, sendo perto e nos dando os 15 de ganho, tive a sorte de ver cracaços em campo. Zico, Jorge Mendonça, Roberto Dinamite, Nelinho, Rivelino... Os visitantes de Paramaribo, o Moto-Clube. E ainda admirar os de casa. O motora Alcino que tantos nos fez raiva, Marinho, Cuca, Aderson, Amaral, Dico... Todos atravessavam a Almirante para umas comprinhas, de repente, também. O elenco do bicola, de vez em quando abeirava. Eu tinha um colega de trabalho que era primo do Edmir, lateral do Paysandu. E olha, a bola era coisa de família, o moleque meu colega jogava muito. Diga-se que vi o Edmir pegar um sufoco do Danival, ponta esquerda, em um jogo com o Atlético Mineiro, no Baenão, em que o Reinaldo ficou na reserva. Entrou no segundo tempo e... Destruiu. Era um monstro de talento.

Agora por esses dias o melhor do Norte, o Campeão, primeiro e único, dos Campeões, deu de jogar seis e meia da tarde. Na hora que a gente ainda tá no barco, a caminho de Belém. Uns amigos torcedores mais empedernidos se lamentaram por não conseguir chegar a tempo. Um mais inquieto fez as contas e concluiu que chegaria já no finzinho do jogo não valeria a pena. Lá da outra poltrona do barco, dei meu pitaco: vale sim, vai pros 15. Agora com a instituição dos acréscimos, contam ainda jogo pacas.