domingo, 19 de maio de 2024

crônica da semana - lei do sexagenário

 A lei do sexagenário

Não é de hoje que os senhorzinhos e as senhorinhas chamam a atenção. Sob pontos de vista e alcances diferentes, as pessoas na faixa dos 60 anos, de uma forma, de outra; com um objetivo este ou com objetivo aquele, inspiram um jeito, uma reparação, algum cuidado e geram uma série de reflexões sobre os longos caminhos percorridos durante a vida e a nossa posição dentro deste caminhar.

Faço valer os atos, não no sentido de calibrar o discurso no aspecto romanceado da melhor idade, mas no sentido de provocar, de insinuar que ela é um termo presente, que de forma alguma se perde no apagamento. Ao contrário do que venho escutando pelas ruas e pelas bocas, homem e mulher não se esbagaçam ou se entregam à inutilidade, após os sessenta. A integridade de corpo e mente vai da gente. E a idéia inegociável é ser feliz, dentro daquela faixa da estrada da vida azulada, idílica e pavimentada de afetos e ternuras. Como, com muita delicadeza nos mostra García Márquez em “O amor nos tempos do cólera”.

À parte os intricados e escondidos da alma, temos a lei.

Esta semana, me adiantei nesta caminhada. Embiquei além dos sessenta. Natural que eu fique atento ao meu redor, às reações, às intervenções, e às relações que tenho que realizar diariamente.

Crio também a necessidade de ratificar certas lembranças que assim no repente, escorregam para a fantasia, para o imaginário. Fico batendo cabeça pensando se o fato aconteceu mesmo, se não é coisa do meu cocuruto. O certo é que recordo haver, lá no primário, na Aparecida, um dia que conhecíamos como dia do Ancião. Na escola de vocês tinha isso? Acontecia uma espécie de comemoração pelo dia do ancião? Até vi aqui na internet, mas os registros são confusos, e nos tempos atuais, mais ligados a uma notação religiosa que a um fato social. Então vá lá que seja, não é um sonho meu. Um determinado dia do ano aparecia em nossa sala um morador do bairro ou uma moradora, bem no adiantado da idade. Sentava em uma cadeira lá na frente da sala, diante da gente, recebia um café com pão. A turma mundiada sem saber o que fazer, até que um se enxeria, fazia uma pergunta, contava que tinha uma avó... interagíamos ali no limite do constrangimento e da curiosidade. Depois a gente batia palmas, cantava uma música tipo “boa tarde visita até mais”, a pessoa era amparada por uma professora e se ia, em passadas curtas e lentas.

Pelo que busquei, existe mesmo um dia no Brasil dedicado aos idosos. Mas as escolas não usam mais esta prática. E nem o termo ancião. Graças!

Aqui em casa, pela lei e pela quantidade de medicamentos contínuos, somos dois idosos. Eu e a gata. No ir e vir das horas, tirando esta parte da medicação, estamos é acesos. Chuleamos e caseamos. Se formos para algum evento de terceira idade, não me venham com café com pão, não. Agora uma geladinha, no limite ali do socialmente aceito e do abeiramento do colesterol, cai bem. A gata, miau, miau. Com aquele par de olhos azuis parece peteca colombiana, por onde anda, encanta os bichanos. É namoradeira que só ela.

Por outra, tem a lei. E tenho passado perrengues com ela. O que me leva entender prioridade ser particular a embarques em avião e à entrada nos museus. Faço notar que, ao arrepio do estatuto, e na levada da rotina, topamos com uma galera que não está nem aí pros mais velhos. Na real a gente de vez em vez dá com jovens bonitos, saudáveis e alegres que, em que pese lugares outros disponíveis nos ônibus, ocupam, penso que por puro sadismo, exatamente os assentos preferenciais. Em outras, desprezam nosso acervo intelectual; em qualquer fila, tomam a nossa frente e só não nos invisibilizam por completo porque folgam em nos passar gripe quando não usam máscara, mesmo com o nariz escorrendo a meleca virulenta. Prezam uma liberdade necrosada e ainda fazem pouco da lei do sexagenário.

Faço valer os atos. Sem romantismo. Provoco.

 

 

 

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