A lei do sexagenário
Não
é de hoje que os senhorzinhos e as senhorinhas chamam a atenção. Sob pontos de
vista e alcances diferentes, as pessoas na faixa dos 60 anos, de uma forma, de
outra; com um objetivo este ou com objetivo aquele, inspiram um jeito, uma reparação,
algum cuidado e geram uma série de reflexões sobre os longos caminhos
percorridos durante a vida e a nossa posição dentro deste caminhar.
Faço
valer os atos, não no sentido de calibrar o discurso no aspecto romanceado da
melhor idade, mas no sentido de provocar, de insinuar que ela é um termo
presente, que de forma alguma se perde no apagamento. Ao contrário do que venho
escutando pelas ruas e pelas bocas, homem e mulher não se esbagaçam ou se
entregam à inutilidade, após os sessenta. A integridade de corpo e mente vai da
gente. E a idéia inegociável é ser feliz, dentro daquela faixa da estrada da
vida azulada, idílica e pavimentada de afetos e ternuras. Como, com muita
delicadeza nos mostra García Márquez em “O amor nos tempos do cólera”.
À
parte os intricados e escondidos da alma, temos a lei.
Esta
semana, me adiantei nesta caminhada. Embiquei além dos sessenta. Natural que eu
fique atento ao meu redor, às reações, às intervenções, e às relações que tenho
que realizar diariamente.
Crio
também a necessidade de ratificar certas lembranças que assim no repente,
escorregam para a fantasia, para o imaginário. Fico batendo cabeça pensando se
o fato aconteceu mesmo, se não é coisa do meu cocuruto. O certo é que recordo
haver, lá no primário, na Aparecida, um dia que conhecíamos como dia do Ancião.
Na escola de vocês tinha isso? Acontecia uma espécie de comemoração pelo dia do
ancião? Até vi aqui na internet, mas os registros são confusos, e nos tempos
atuais, mais ligados a uma notação religiosa que a um fato social. Então vá lá
que seja, não é um sonho meu. Um determinado dia do ano aparecia em nossa sala
um morador do bairro ou uma moradora, bem no adiantado da idade. Sentava em uma
cadeira lá na frente da sala, diante da gente, recebia um café com pão. A turma
mundiada sem saber o que fazer, até que um se enxeria, fazia uma pergunta,
contava que tinha uma avó... interagíamos ali no limite do constrangimento e da
curiosidade. Depois a gente batia palmas, cantava uma música tipo “boa tarde
visita até mais”, a pessoa era amparada por uma professora e se ia, em passadas
curtas e lentas.
Pelo
que busquei, existe mesmo um dia no Brasil dedicado aos idosos. Mas as escolas
não usam mais esta prática. E nem o termo ancião. Graças!
Aqui
em casa, pela lei e pela quantidade de medicamentos contínuos, somos dois
idosos. Eu e a gata. No ir e vir das horas, tirando esta parte da medicação,
estamos é acesos. Chuleamos e caseamos. Se formos para algum evento de terceira
idade, não me venham com café com pão, não. Agora uma geladinha, no limite ali
do socialmente aceito e do abeiramento do colesterol, cai bem. A gata, miau,
miau. Com aquele par de olhos azuis parece peteca colombiana, por onde anda, encanta
os bichanos. É namoradeira que só ela.
Por
outra, tem a lei. E tenho passado perrengues com ela. O que me leva entender
prioridade ser particular a embarques em avião e à entrada nos museus. Faço
notar que, ao arrepio do estatuto, e na levada da rotina, topamos com uma
galera que não está nem aí pros mais velhos. Na real a gente de vez em vez dá
com jovens bonitos, saudáveis e alegres que, em que pese lugares outros
disponíveis nos ônibus, ocupam, penso que por puro sadismo, exatamente os
assentos preferenciais. Em outras, desprezam nosso acervo intelectual; em qualquer
fila, tomam a nossa frente e só não nos invisibilizam por completo porque folgam
em nos passar gripe quando não usam máscara, mesmo com o nariz escorrendo a
meleca virulenta. Prezam uma liberdade necrosada e ainda fazem pouco da lei do
sexagenário.
Faço
valer os atos. Sem romantismo. Provoco.
Parabéns, sexagenário!
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