sábado, 25 de maio de 2024

crônica da semana - jambeiro

 Saudade do jambeiro

A reunião da família no domingo das mães, não foi a primeira sem ele. O encontro foi só mais um acontecimento em que a ausência do jambeiro para nos dar sombra, conforto e nos proporcionar a mais ampla interação na razão de todo mundo junto de uma só vez, causou impacto; foi mais um dia em que a falta da copa robusta, a ramada simétrica do jambeiro nos abrigando inteirinhos no quintal, foi muito sentida.

Seguramos o quanto pudemos, o jambeiro em pé. Com podas, retiradas de parasitas, adubos na base. Mas chegou um tempo que não deu mais. O caule extremamente comprometido, atrofia do xilema e sobrepeso da copa estavam em tempo de jogar a árvore em cima da gente, ou pros lados do vizinho, o que nos causaria um indesejado conflito diplomático. Tinha ocasião de chuva com vento, que eu ficava na porta só observando o movimento pra lá e pra cá e ouvindo o renque-renque daquela árvore tão querida, sofrendo nos estertores, e eu fazendo figa pra ele não tombar. Até que um dia, em uma das podas, o operário ao se apoiar no tronco para um movimento de corte, viu o braço avançar num puro oco e a assustadora dispersão de um exército de tachis. Não havia salvação. Esperança nenhuma havia. Cortamos no rés e destocamos a raiz, cheios de dó.

Agora, a bom a gente penar sem a sombra do nosso jambeiro. Não dá nem pra comparar o antes e o depois. Muito mais quente. Muito diferente em tudo. O que notamos é que atualmente, montamos a mesa, cada um faz seu pratinho e se entoca. Nada de cortar uma prosa no terreiro com o este solão torrando o cocuruto. Caiu que só o divertimento sem a reunião que se prolongava pela tarde acompanhando o caminhar da sombra do jambeiro sobre o quadrado do quintal.

Os efeitos que percebemos a cada encontro comemorativo da família, no consagrado quintal das festas é uma versão numa escala de bairro, de rua e de memórias, do que em dimensões planetárias podemos causar, quando suprimimos elementos de equilíbrio e controle do ambiente.

Eu já tinha um exemplo do poder arrasador dessas alterações.

Foi numa viagem de campo da minha turma de Geologia. Fizemos a campanha toda pelos arredores de Capanema e Bragança. No último dia, o professor agendou o almoço na praia de Ajuruteua. Isso, lá por 2004. Havia uma intenção naquela esticada à praia, além da comida e de um mergulho rápido antes de voltarmos pra casa. Paramos na estrada e o professor perguntou se alguma coisa na paisagem nos chamava a atenção. Foi um choque. De um lado do caminho, o mangue era vivo, robusto, farto de água. Do outro, secura total e desolação. A estrada que era vista como uma conquista para a região, era responsável por aquele atentado ao ambiente. À época, fiquei remoendo aquele cenário e me impus não abrir sequer uma valeta debaixo do beiral de casa, com medo que, o que eu fizesse na inocência no meu cantinho, refletisse em catástrofe em algum espaço outro sensível do planeta.

Se após a retirada do jambeiro a gente plantasse outra árvore de potencial frondoso, por esses dias a gente já teria uma nesguinha de abrigo contra o sol. Não agimos. Contamos com o Jucá que, não canso de dizer, é tipo Deus no céu e ele no nosso quintal. Serve pra um tudo. Só que tem as folhas miudinhas, galhos franzinos, envergadura discreta. Pra essa missão de sombreamento e frescor, ele não delega não.

Ante esta catástrofe que ocorre no Rio Grande do Sul, a gente ouve cada presepada. Em ocasião recente, dei com uma ‘opinião’ que desconsiderava a ação humana como agente das transformações climáticas. Opinião que não admite, como o fiz há alguns anos, e ratifiquei agora, que o que agente faz de inocente ou de má fé aqui, pode resultar num desastre acolá.

Nossas confraternizações em família não são mais as mesmas desde que desequilibramos o microclima do nosso quintal com a supressão do tão amigo e querido jambeiro.

 

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