Frango
com quiabo
Fico
pensando o que dona Adélia diria sobre esta situação.
Era
nossa cozinheira, na primeira fase, dos anos que trabalhei em Rondônia. Nunca
comi tão bem.
(Haverá
um tempo em que o sal não servirá para salgar. Tratar-se-ão os fatos, as rimas
e os versos à revelia das especiarias. A pimenta perderá o reinado e ao cravo
da índia, um único palmo de terra sequer será dado para que cresça e se
multiplique. Os temperos e os gostos da vida estão dando tiau, cara de pau).
Os
dias de dona Adélia eram com um livro de receitas culinárias debaixo do braço.
Não antes de um mês, repetia pratos. A cada refeição, uma surpresa. Cada uma,
mais deliciosa que a outra. Na rotina, cozinhando ali para o baixo clero da
empresa, dona Adélia se superava. Quando recebíamos visitantes, então, o manjar
era precioso. Divino.
Fazia
uma deferência a um grupo de diretores mineiros. Quando sabia que viriam nos
visitar, já anunciava um frango com quiabo daqui, ó.
Trouxe
esta combinação de frango com quiabo comigo. Adaptei o estilo mineiro. Faço com
alma de paraense. Ao final, o prato se distancia no sabor, na textura e no
tempo, daquela receita consagrada por dona Adélia. Mas para mim, já vale.
Quando cozinho a minha especialidade aqui em casa, a galera come chega fica
triste.
Os
componentes básicos somam uma porção de frango com ossinho, sal,
pimenta-do-reino, salsa, cebola picada, maxixe em cubos e, obviamente, quiabo.
De três a cinco maços. O modo de preparo é o tradicional, com refogado, e
cozimento controlado com água e fogo baixo. O resultado é uma lembrança forte,
no sabor, do verde do quiabo criptografada num molho uns dez pontos abaixo do
ponto do caruru. A presença do maxixe é um reforço a este sentimento vegetal,
verdoengo, que mesmo contradizendo a lógica dá ao molho uma personalidade
delicadamente áspera.
O
prato da dona Adélia era diferente. Dispensava a umidade, o molho. Preservava
fielmente o quiabo em pequenas rodelas e era servido para contato simples.
Parte quiabo, parte frango. Ou seja, quem não era mineiro, e não tinha o
costume, até dispensava a parte do quiabo e se refestelava apenas com o frango.
Era um prato que se destacava por ser óbvio. Iconográfico. Ao contrário da minha
versão que é simbólica, baseada em índices gustativos.
A
minha receita é doméstica e modesta. Os apreciadores se resumem à família.
Participo do repasto ativamente, porque, de vera, gosto da combinação, mas
confesso, com certo acanhamento. Sempre surgem comentários. Elogios,
observações. No final das contas, não sobra nada. E isso é firme!
Embora
satisfaça a hora, admito, sou aprendiz ante o talento extraordinário de dona
Adélia, ou diante da versátil cozinha mineira.
(Haverá
um tempo em que o sal não servirá para salgar. Tratar-se-ão os fatos, as rimas
e os versos à revelia das especiarias. A pimenta vagará sem reino, ao cravo da
índia, sequer um obséquio será concedido. O encanto do quiabo se quedará à baba
ingrata e viscosa do esquecimento. A culinária do frango será penosamente óbvia).
Dona
Adélia não viveria um dia sem os temperos e os gostos da vida. Eu vou viver.
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