Nem seu Sousa
Uma
pena, olha, mas uma pena mesmo que a massificação, a retidão, o padrão da fala
tenham enterrado alguns dos nossos mais simpáticos ditos populares. “Nem seu
sousa” é uma expressão similar a um árido “não tô nem aí”, ou a um desafetado “nem
te ligo”, ou ainda a um irônico e pouquista “eu choro pra ti”. Cabe certinho em
reclamações e constatações destemperadas comuns nos solavancos inevitáveis das
amizades: “eu avisei pra esta pequena, não te assanha pra tá de esbruga pelos
cantos, que a carne é fraca, e ela, ‘nem seu sousa’, pra amiguinha aqui, não
prestou reparo”. E, mais adiante, pode se desdobrar em troco virulento: “Agora,
que está com a barriga por acolá, eu, olha, ‘nem seu sousa’ pra ela”.
Eu
por mim, até hoje manifesto meu desdém usando estas mesminhas palavras. Aprendi
com minha avó, que era useira e vezeira dessas temperadas articulações do vulgo.
E
mais animado a usar, estou agora. Reencontrei mina dessas artes do falar
popular nas páginas de “Belém do Grão-Pará”, quarto romance do ciclo do Extremo
Norte, sequência de narrativas em que o escritor marajoara Dalcídio Jurandir
conta a desestruturação da Amazônia após os tempos áureos da borracha. Nos
termos do falar da praça, neste livro, Dalcídio corta e ara.
Aí
eu desdobro a pena. Um custo conseguir uma obra do Dalcídio. Indo e vindo, é um
dos nossos maiores expoentes literários. Escritor pródigo, vasto. Guardador e
disseminador do linguajar paraense. Mestre no enredo amazônico e, em especial, na
prosa líquida dos baixios do Marajó. Tantos teres, tantos haveres. A gente fica
num pé e noutro para lê-lo.
Mas
quede.
Batemos
e rebatemos o pé pelas livrarias da cidade, mas quando que a gente acha o autor!
É por essa e por outras que a nossa identidade, as nossas particularidades, o
nosso tino paraense vai se diluindo numa linguagem planificada, tesa, embalada
a vácuo. Vai perdendo espaço para um falar enfadonho, pasteurizado,
pseudo-moderno-elegante.
Este
unzinho mesmo que estou lendo, achei numa dessas exposições de desapego no chão
da Praça da República. Um jovenzinho organizou o exemplar entre uns vinis, uma
bolsas de pano, uns vidrinho de não sei o que orgânico. Mais que depressa catei
dele. Alguns dinheiros e a troca estava feita.
É
aquela edição que a UFPA fez quando o romance caiu no vestibular, como leitura
obrigatória. Lembro que foi no ano que prestei exame, e foi um Deus nos acuda
porque a tiragem não deu pra quem quis. Era gente se agatanhando na livraria da
Federal para garantir o livro. Na época, sobrei. Mas eis que um jovem, no
exercício do desapego, anos mais tarde, me fez a presença. O livro é uma
delícia.
E lá
pelas tantas, em “Belém do Grão-Pará”, Dalcídio reproduz cenas da Transladação.
Encontros paralelos, nos escurinhos das travessas. Travessuras de jovens
romeiros. “Ai, Diquinho”, diz a garota, “respeita a Santa, mas assim, também
não”. O autor não revela, mas eu, nos conformes e compreendos da leitura, imagino que Diquinho, “nem seu
Sousa” para os reclamos da pequena. Continuou foi os assanhamentos, atentandozinho.
Dalcídio é que sovinou de contar.
Prezado Raimundo Sodré,
ResponderExcluirestou traduzindo um poema do Ferreira Gullar para o francês e o poeta cita recorrentemente a expressão "nem-seu-Souza". Procurando pelo significado da expressão no google, achei seu blog. Não encontro outras fontes sobre essa expressão. Você poderia, por gentileza, entrar em contato comigo por e-mail para que eu possa tirar algumas dúvida sobre esse assunto com você? Aguardo seu contato. Meu email: kallynnycardoso@gmail.com