Crisado na
missão
Tradução: a
pessoa tá no aperreio. Precisa resolver a parada, mas tem dificuldades, entra
em crise, afoguea-se e o momento ali, pedindo resposta.
Aprendi esta
expressão lá na praça da República com umas parças do teatro. Achei interessante.
Reflete o instante mesmo que escrevo esta crônica. Tô me sentindo crisado na
missão.
É que há anos,
durante o mês de aniversário de Belém, dedico este meu espaço à cidade. Faço
dengos, recito afetos, dedilho prosas suaves. Mas todo floreado às vezes
poético, muitas vezes ufanista e sempre passional, no final do mês se esvai. A
última crônica do mês de janeiro dá passagem à crítica, à percepção nua e crua,
ao retrato sem maquiagem de Belém.
Não é por causa
das cobranças que recebo dizendo que só falo bem da cidade e coisa e loisa, e
olha que recebo! Não é por isso que vou descer o malho agora, não. Digamos que
é uma contribuição ao coletivo. Penso que tenho, também de ceder às pendengas e
expressar meu descontentamento com aquilo que nos machuca, com as mazelas que
baqueiam nossa Belém. Não é fácil para mim que a quero tão bem, não, daí a
crise. Mas vá lá que seja, olha o trânsito. É o pri de todas as nossas dores
diárias.
É o retrato do
inferno (não, ainda não estou falando do calor de Belém). E olha que nem tô
triscando no tal do BRT, mesmo porque temos que ir muito além do BRT para tornarmos
esta cidade mais transitável. As atitudes, a gentilezas, a civilidade...Nos
faltam. Há uma saga diária minando das ruas de Belém. Dia desses, quando ia pro
trabalho, de manhãzinha. Bem cedinho, antes das seis. O sol nem havia saído.
Ruas e avenidas sem movimento. Um carro aqui, outro ali. Não é que dois
motoristas de ônibus resolveram se estranhar. Forçavam ultrapassagem, faziam
zangas, provocações. Emparelharam os retrovisores, pararam os carros e saíram
no braço. Meu pai eterno, e nada, absolutamente nada inspirava aquela selvageria. Os pássaros ainda saudavam a manhã com um canto alegre e renovador
quando os dois se emboletaram no asfalto. Imaginei esses camaradas ao sol do
meio-dia no gargalo do Entroncamento e com a trilha sonora do buzinaço
azucrinando o cocuruto. Por certo virariam aço, ferro, fogo, subiriam como
vapor ácido para o infinito dos espaços, se desintegrariam fulos da vida, antes
mesmo de se trançarem no pau. Desatino total vivemos pelas ruas de Belém. Faixa
de pedestre é traço insignificante no riscado dos cruzamentos. Ciclovia é
entrave. Transporte público com acessibilidade, quando aparece algum veículo,
vem sem a dose de humanidade necessária para operar os equipamentos.
Nessa linha da
urbanidade, Belém sofre com a ausência de um planejamento interativo. A cidade
é cheia de vazios. É desconectada culturalmente, economicamente. Precisa
urgentemente de uma linearidade nos direitos. De uma melhor distribuição de
serviços e atenção. Sustentamos a exclusão. Áreas como o Acampamento
eternizam-se como um condado, como um enclave autônomo e longe, embora perto. Consolida-se
a marginal do Galo como um recanto, não por querer, bucólico, apartado do
asfalto, há décadas, pelo inexplorado igarapé.
Modos algo
selvagens e jeitos um tanto arrogantes se alinham nesta trança geográfica-social.
A cultura do barulho, apoiada pela política do pão e circo, se impõe como valor
inabalável.
Reconheço que ter
a cidadania como meta, dá uma trabalheira. É necessário apego à causa. E
lideranças que coloquem a educação em primeiro plano. A gente tem que preencher
os vazios vexatórios, com escolas. Formar novas mentes. Criar novos corações
para amar Belém de verdade. Pronto, descrisei.