E o vento levou
A
introdução do guarda-sol na paisagem das feiras de Belém foi uma grande idéia. Representou
uma forra ao calor inclemente que dá pleno meio-dia e vai refletir no melindro
da gente em tempo de derreter nosso ‘célebro’. Por outro lado, a invenção não
resistia quando o vento virava o Geral e desembestava com mais de mil dali dos
baixios da Pedreira. As sombrinhonas iam pelos ares levando as mais finas
peças.
Depois
de algum tempo madrugando com o Seu Jorge, seguimos rumo próprio. Minha mãe
choramingou com o fiscal e conseguiu um cantinho para os Sodreres, ali, naquela
região dos informais. Não tínhamos guarda-sol. Nossa infra se reduzia a uma
mesa magrinha de pernas grandes que eu trazia na cabeça, de casa, todo dia.
Começamos vendendo cosméticos dos mais variados ‘catálagos’. Inclusive as
amostras grátis de batom e perfume, vendíamos (era, aliás, o que mais saía).
Variamos
a mercadoria com confecções, perfumes... quando nos mudamos para a calçada que
dá para a Pedro Miranda. Um espaço legalizado, comprado com a ajuda de parentes
e amigos. Bem localizado, confronte ao mercado de carne. Por essa ocasião, já
havia ocorrido uma evolução no formato das barracas. Não havia mais a
necessidade de levar pra casa e trazer de volta, todo dia, as mercadorias. Não
sei de quem foi a sacada. Ventilou-se amiúde que a idéia tinha sido importada
do Ver-o-Peso. Consistia na confecção de caixas de madeira com portinhola,
cadeado, empurrador e quetais personalizados, montadas sobre rodinhas de metal
para que pudessem ser movimentadas. Era como se fosse uma arca que guardasse
nossos bens preciosos. Do tabuleiro, todo mundo na feira migrou para a arca.
Era demais perfeitinho, ficava tudo ali na feira. Ao final do expediente,
recolhíamos a mercadoria para dentro da caixa, fechávamos no cadeado,
arrumávamos em cima o estrado, o guarda-sol, cobríamos tudo com um encerado
plástico e deixávamos ali no nosso cantinho. De tardezinha vinha uma galera da
administração, deslocava e acomodava as nossas caixas todas num lugar outro mais
para o interior da feira. Esta manobra era necessária porque o mesmo espaço que
ocupávamos durante o dia, era ocupado pelo pessoal do churrasquinho à noite.
Esta
praça de alimentação ali da feira me vem do passado como uma das mais
deliciosas lembranças. Não há hoje no mundo fastfood de Belém, algo que chegue
aos pés daquele churrasquinho. Só a farinha que era servida ali, valia pelo
mais engalanado xis-qualquer-coisa de agora. Vez sim, vez não eu pegava com a
mamãe um numerário de adiantamento e estourava tudo nos espetinhos. Ao
contrário dos churrascos de domingo, o tempero não primava pelo purismo
minimalista do sal grosso. Era a diversidade de condimentos, o segredo do
sucesso que faziam os churrasquinhos da Mauriti. Outros elementos compunham o
cenário do repasto e o fazia algo transcendente, enlevado: a brasa ardendo, o
fogareiro com alças de argolas, o jeito de abanar o fogo, a fumacinha
cheirosa...aquela aguinha gelada, quando a gente terminava de comer.
Aí
virava o Geral.
Eram
contados os dias em que a feira funcionava à tarde. Vésperas do Círio, Natal, Ano
Novo...
Os
ventos se formam pela diferença de temperatura do ar. Quanto mais o dia avança,
a atmosfera mais aquece e a possibilidade de rajadas fortes aumenta. Certa
ocasião, estávamos contando com uma boa venda. Era véspera de uma dessas festas,
não lembro qual. Três’orinhas da tarde, o vento Geral veio arrasador e levou
nosso guarda-sol, as mais finas peças de Fio-de-escócia, as camisas de botão,
as bermudas desfiadas na coxa, o Charisma... “para além dos fios de alta tensão”.
Só a arca ficou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário