Amarelo vermelho
Ela jogava vôlei lá em cima. A ladeira era um caminho de terra vermelho e solitário. Ligava o nosso alojamento à vila. Ligava os nossos corações.
As lembranças chegam à mente, enevoadas, neblinadas de lonjuras e distâncias. Mitigadas pelo tempo, ainda me chegam gostosas; sublimadas pela saudade, me vêm friinhas e aconchegantes como as noites de dezembro em Rondônia.
Era a estradinha que nos levava ao mundo. Cá embaixo, no nosso alojamento, vingavam as coisas do trabalho, registros formais, cordialidades, bem querências compulsórias, sono reparador, cumê na hora certa. A cama arrumadinha. A roupa lavada. Uma ordem perturbada aqui e ali por sessões dominicais de socialização argumentadas por muito álcool, cuidando sempre para que o decoro fosse preservado. Lá em cima, a paixão, a liberdade, o descompromisso e o desapego às normas e formalidades. Toques atrevidos, confissões indecorosas. Doces suores. Sensações permitidas.
A ladeira ia dar na vila. Um lugar plural, um arremedo de cidade, um sítio que fazia menção de interiorzinho, com capela erguida em madeira, largo com brinquedos para criancinhas, sorveteria, discoteca para os jovens. Tinha a quadra de esportes onde a gente armava a rede de vôlei quando o pessoal do futebol-de-salão enjoava de jogar. Como era no topo de uma pequena serra, a neblina era comum ali naquela área e foi-não-foi, coincidia com o horário do nosso jogo, lá pra de noitinha. A gente cantava a jogada e a fumacinha se desenhava e volteava no ar igual aos filmes que têm neve e mocinhos agasalhados. A vila era um lugar de realizações, de fazeres densos, de escurinhos e escondidinhos cúmplices.
Ela jogava vôlei lá em cima.
Quando a cerração passava é que eu reparava direito naquela que mais me chamava atenção no time. Eu a procurava pelos quatro cantos da quadra. Admirava o jeito faceiro com que ela sacava; nem disfarçava em acompanhar o movimento ordenado e ligeiro que o cabelo curtinho dela fazia, quando respondia uma cortada de manchete. Aos meus olhos, ela encenava um balé sensual, em cada jogada. Nas vezes que usava vermelho, emanava vermelho. Sorria vermelho. Vibrava vermelho. Me entontecia com aquele vermelho juvenil, livre, indolente. E eu que gosto de amarelo sucumbia, absolutamente dominado, àquele encanto sem remorsos.
A hora que eu voltava para a minha caminha arrumada, lá embaixo, as nuvens baixas já haviam se dissipado totalmente. O jogo de vôlei se encerrara há um tempo e os escurinhos da vila minavam de vontades mil a minha vida. Em silêncio, procurava no céu, agora ornado de estrelas, brilho igual ao dos olhos dela. Tentava sentir entre os odores que a mata dispersava na lateral da estrada, o frescor daqueles sussurros recitados ofegantes ao meu ouvido. Alguns cachorros latiam lá atrás por sobressaltos ou instinto. E eu sonhava acordado, imaginando pétalas de rosas ornando o meu caminho. Rosas inebriantes. Altivas. Fetiches e sedução. Voz e ilusão. Personificação. Pedaços de amores largados ao chão, perdidos ladeira acima.
Antes de entrar para o meu quarto, debaixo de uma infindável cantoria de grilos e sapos, eu voltava o olhar lá para o alto da serrinha, para a vila, para o lugar onde morava a minha felicidade. E ficava pensando nela que jogava vôlei com tanta graça e beleza; que bordava uma excitante arte rubra naquele jeito serelepe de ser e tinha tal encanto aquela arte, que nem as artimanhas do tempo a deliram de minha retina. E, por uns instantes, me deixava compreender porque aquela ladeira, inevitavelmente, se perpetuaria como um caminho de terra vermelho e solitário.
adorei a cronica mas, mudando um pouco de converca estava ouvindo um disco seu o coisa de nego ou a massa não tenho certeza dirrepente minha mulher diz ele viu ,dai eu pergunto ele viu o que? dai minha mulher fala, mulher e preto essa terra governa dai foi que caiu a ficha realmente, temos a dilma aqui e temos o obama, o que você acha disso tudo?
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