Tão Belém
Em
novembro do ano passado, durante o Encontro Nacional de Cultura do Sesc, me dei
com uma turminha bacana. Jovens artistas, produtores culturais, educadores, de
fora do Estado, do interior. Todos muito gentis e agradáveis de estar. Num
final de tarde, nos juntamos uns quantos e fomos para o Bar do Parque passear, espairecer
um pouquinho. Alguns não conheciam nem a praça, nem o bar. Sabiam da fama do
lugar, mas ainda não tinham experimentado um happy hour sob os auspícios
daquele cantinho de Belém. Uns poucos, já eram vetera, como eu, de tantas e
indomáveis ‘buxixeatas’, na batida da campa dos anos oitenta.
Subimos
a avenida, os degraizinhos do bar e fomos nos ajeitando por entre as cadeiras e
mesas de ferro até aquela última mesa que fica de quina com o calçadão da praça,
ao pegado do ponto de táxi. Eu que não sou besta nem nada, guiei o pessoal pra’li.
É o meu lugar preferido (houve uma época, quando eu trabalhava por aí pelo mundo
que, quando chegava de férias, passava horas, levantando copo naquele
lugarzinho, pegando respingo da chuva fina, contando as colunas neoclássicas do
teatro da Paz, apreciando aquele vai-vem da esquina da Gama Abreu com a
Presidente Vargas, dando um cigarrinho pra um, uma moedinha pra outro,
dispensado aquel’outro mais insistente com um aceno decidido).
Mas,
ô coisa pra dar certo: quando a gente tava ali, num aplicado simpósio, eis que
me apareceu o Bandeira e choveu uma chuva fina, exatamente nesta ordem. E
ninguém, ó, nem seu souza pra o chuvisco, nos confraternizamos alegremente com
o novo integrante da nossa reuniãozinha.
Ao
final dos abraços e apresentações, o Bandeira, contextualizando aquele momento,
cunhou a frase decisiva para aquela tarde: “tão Belém, isso”.
Aquela
frase ficou na minha cabeça. “Tão Belém”. Gente que se gosta, generosos sorrisos,
esquina movimentada, teatro ao lado, risco iminente de manga desabando, garçom
se fazendo de mouco, dialeto afrancesado-mas-como-já, céu plúmbeo. E a conversa
rolou agradabilíssima sem dar a mínima para a máxima umidade relativa do ar.
Deu
certo, também, porque o Bandeira é uma escola. Transita com muita desenvoltura
por várias áreas do conhecimento. Da culinária, às artes plásticas; da
Sociologia à simbologia pagã; da política à poética (sem confundir tais artes,
diga-se). E é também uma parte viva, indiscutivelmente fértil da história
recente de Belém. E aí uma conversa puxa outra. A gente enche o copo em mais
uma rodada e espera pacientemente por outra cerveja.
E
recebemos, encantados, recados preciosos dos dias belemenses, pelos causos que
o Bandeira desandou a contar. Tudo vivido ali, nas imediações da Rua da Paz: A
dita buxixeata, na campanha do Lula em 89; o movimento estudantil em favor da
meia-passagem; A luta pelo porto de Carajás (que perdemos para o Maranhão); O
Paranatinga Rui e o maestro Waldemar Henrique; A música e a poesia, nas
intermináveis noites depois da Adega do Rei; o papo cabeça do explosivo teatro
do Luiz Otávio Barata, depois do ensaio de ‘Genet - o palhaço de Deaus’; a
Festa da Chiquita só com os “Borboletas do Mar”, com a Cristina Gazel, o Moura,
minha namorada e mais uns poucos gatos pingados amparando os copos de cerveja
em caixotes de madeira. O silêncio e a transladação passando
Testemunhos,
confidências, descobertas e redescobertas. Surpresas. O Bandeira não é Geólogo,
como eu ou uma pá de gente pensava. É Sociólogo. Revisões. Atenção da platéia.
Gente de bem. Ligada à cultura. Refletindo. Ouvindo. Terapia de bar.
Frustrações coletivas. Alívios. Corações mais leves. Mentes mais seguras. Sem
culpas. Rio de Janeiro (Luiz bandeira é carioca). Manhã friinha. Cobertor.
Amor. Proibido amor. Um poema. Fernando Pessoa. Cecília Meireles. Que seja
eterno enquanto dure, Vinícius. Com tanta força, tanta expressão, sentimento.
Chuvinha salgada. Sal e chuva. Lágrimas.
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