sexta-feira, 27 de julho de 2012

crônica da semana - galícia


Galícia, Galícia, assim você me mata
Nosso roteiro na Espanha prevê montagem de acampamento na Galícia. É uma região que se toma por um território autônomo dentro do país, com idioma, costumes e sentimentos próprios. E é um ambiente bem próximo de nós brasileiros por causa do aparentado da língua. Não temos tantas dificuldades na comunicação. Por cá, a fala não tem a ligeireza do castelhano intracontinental, nem o turbilhonamento bilabial lusitano.
Nos sentimos à vontade aqui, mesmo porque temos a guarda de nossos anfitriões, mas sabe como é, né, há sempre aquele sentimento paranóico de um neguinho (liroublec, em inglês) flanando livre, pela península ibérica, ser um atentado à resistência econômica européia (por aqui, percebe-se uma luta férrea por garantia de espaço, de emprego, de benefícios. Não presenciei, de vera, uma arenga grave, mas sei lá, a intuição me diz que não há espaço para o fair play na comunhão da crise). Daí que, máquina fotográfica pendurada no pescoço, procuro convencer como turista. O que? Pensa que peão brasileiro só tem plano de saúde, é? Tem plano turismo também.
Em que pese uma justificada cisma, cenas de um grupo de galegos grandalhões, carecas, de dorso tatuado com motivos nacionalistas, me esmigalhando o fígado, estão longe de acontecer aqui na Espanha. Pra não dizer que nada houve, dias atrás, quando escalávamos um monte de 500 metros de altitude no distrito de Soutomaior, aqui ao pegado, nosso grupo foi elogiado com o meigo adjetivo de “imigrantes patéticos”. Um casalzinho galego passou por nós, e no afã da subida, deixou escapar o mimo. Saquei a provocação, reinei em revidar dizendo que patético, até posso ser, pero imigrante, não (ou ainda não. É real a  possibilidade de aparcar-me por cá. A sedução é grande: o euro é forte e a carne é fraca). Fiquei só na mutuca. Se repetissem a ofensa mais umas 38 vezes, aí sim, iriam ver o que é um acreano enfezado. Depois verifiquei que eles estavam a fim mesmo era de dar uns pegas, o local era ermo, e a gente estava atrapalhando. Metabolizamos e relevamos. Não era caso de deflagrarmos uma crise diplomática ou de excitar a minha natureza beligerante.
Diferenças são artes comuns, nestes sítios europeus, por esta época do ano. É verão. Época de festas, de peregrinação a Santiago de Compostela...O trânsito de viajantes é grande. Todo mundo varando daqui prali, querendo aproveitar o sol.
Daqui de Galícia, irradiamos e comprovamos esta diversidade. Fizemos uma visita a Madrid. Ali sim, vê-se um mix complexo de nacionalidades, tezes e línguas.
Uma efervescência, Madrid. Tribos, tropas, hordas. As praças são pródigas de atitudes. Discursos, espetáculos e muito protesto. Em cada canto uma manifestação de indignados.
Os olhos se encantam e se surpreendem. Eu que sou chegado a observar a paisagem celeste, tive ganhos nesta viagem. Em Madrid, dei com um telescópio deste tamanhão instalado pelo Centro Astronômico, no centro da Praça Maior. E é claro que me assanhei. Dei uma contribuição em centimos de euro e pude observar a beleza das luas e dos anéis de Saturno.
E por falar em céus do mundo, aqui no hemisfério norte os cenários e constelações aparecem em posições diferentes daquelas que nos acostumamos a reconhecer no Brasil. A lua crescente, que no Brasil nos chega como um sorriso largo, com um arco horizontal formado na parte inferior do círculo iluminado, aqui na Espanha mostra uma disposição diferente, com a parte iluminada descrevendo um arco quase vertical. Delícia, delícia...Assim, você me mata.

sábado, 21 de julho de 2012

crônica da semana madri


O pote de ouro
No filme “1492, A conquista do Paraíso”, há uma cena que resume um pouco a história dos medos e conquistas do homem: Colombo sentado â beira da praia, fitando o horizonte (“a Terra é redonda”).
Daqui a pouco, vou sair, descer uma avenida movimentada, procurar uma pedra confortável, sentar pensativo, procurar um ponto no mar e, daqui de Vigo, na Espanha, vou repetir a cena de Colombo.
É bem verdade, que vai demorar um pouco até o sol se pôr. No verão, a noite não vem antes das dez e meia, aqui nesta parte da Europa. Enquanto o sol ainda está alto, passo adiante os fatos.
O convite aconteceu em dezembro, quando da visita de meu amigo Armando Gonzales, para as festas de fim de ano no Brasil (e jà contei aqui, levei o visitante espanhol em Icoaraci, em Salinas, no centro de Belém, e o levei também para experimentar farinha na feira da Pedreira, na modalidade “lançamento a  palmo e meio”).
De lá pra cá, fui me aviando. Passaporte, um dinheirinho, lugar para deixar as crianças, férias do trabalho, passagem em dez prestações. E estamos aqui, agora, eu e senhora Edna, minha companheira, de flozô, nas médias latitudes. Pra quem passava as férias no Tenoné, heim?
Estar aqui, é a mesma coisa que dizer que encontramos um pote de ouro, aquele que está no fim do arco íris (se estiver faltando hífen aí, me perdoem, é que ainda não estou muito aquele em  escrever no computador espanhol). Mas não é lá muito fácil chegar aqui. Além das condições primárias da viagem (ter um amigo como o Armando, por exemplo), a viagem é uma pegada para fortes.
Como Belém não oferece vôos internacionais, tivemos que ir para o Rio de Janeiro. Depois de 13 horas sob a ginga, um friozinho gostoso, e a simpatia carioca, decolamos em direção a Madri. Agora, pensa. Coisa próxima de treze mil quilômetros. Uma varação de um hemisfério a outro de quase dez horas de duração. Pra quem é bom de cama, é uma beleza. Chega e dorme. A viagem é noturna e dá na biqueira, na hora do soninho. Eu fiquei ali no meio termo. Nos primeiros momentos, me entreguei â tensão. Valorizo essas coisas. Atravessar a Linha do Equador, planar sobre o portentoso Oceano Atlântico, desafiar as correntes convergentes. É bacana porque os serviços de bordo nos deixam informados de tudo isso. E, nas primeiras 4 horas de viagem, não dormi. Fiquei por ali, assuntando, perscrutando, curtindo essa sensação boa de ganhar os ares internacionais.
Depois dessa pisada voando, chegamos a Madri. Ali, exercitamos várias das faculdades humanas. Enfrentaríamos a imigração e não sabíamos ao certo o que poderia acontecer. Dizem que esta fase é uma grande loteria. E é mesmo. Passamos que foi uma maravilha. Depois da imigração, praticamos um pouco de cooper. O tempo voa. E tínhamos uma conexão para o Porto em 30 minutos. Então corre (no Rio, um amigo de viagem que fizemos por lá, nos avisou: tem que correr). Quando saímos da burocracia, nos avexamos. E este aeroporto de Madri é um mundo. Pega esteira rolante, corre. Pega elevador, corre. Pega trem, corre. Escada rolante, corre. Um estirãozão de salão, corre. É tudo muito bem marcado, com uma sinalização bem inteligível, mas a gente sempre acha que está perdido, que não vai dar tempo. Ainda bem que encontramos gente pelo caminho, na mesma situação e partilhamos as carreiras.
Embarcamos para o Porto com certa tranquilidade e com créditos de tempo (as minhas caminhadas matinais, afinal me valeram, heim). Porto foi o primeiro sinal de que encontraríamos um pote de ouro. Sabe os azulejos de Belém? Nos deram as boas vindas, em Portugal.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

crônica da semana - todo mundo quer


Todo mundo quer amor

Creio nisso: Daí uns descontos que dou para umas presepadas com as quais, de vez em vez, tenho que me aviar. 
Numa prosa com amigos, dia desses, me ocorreu uma música dos Titãs que fez parte do álbum “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”. O disco data dos incompreendidos anos 80, já bem do finzinho. Trata-se de uma paulada cantada em versos puros, porém fortes, verdadeiros. Um desavisado vai se assombrar com a construção poética um tanto mundana, um tanto obscena. Às vezes agressiva, imperativa. Quase uma lei: Todo mundo quer amor. 
Sabe aquela coisa que martela por anos e anos? Pois é, esta música me acompanha desde os tempos em que eu me perdia pelas noites frias e cheias de mistérios do rio Xingu. 
E é, reconheço, uma mensagem que aprendi a decifrar, a perceber nas minhas lidas. Aprendi a entender certas carências humanas e a justificá-las com estes incômodos versos dos Titãs. 
É só olhar pro lado. A gente vai encontrar alguém que sofre de algum déficit de orgulho, de auto-estima. Depois, fuçando direitinho, a gente vê que são débitos que variam da simples busca por um abraço, ao desejo dos holofotes ofuscantes da fama. Tanto o afago, quanto as benesses do sucesso, para mim, ante exemplos que se cristalizam a cada dia, conotam uma forma diversa de entendermos o amor titânico. 
A gente quer atenção, uma bitoca, um elogio, um dinheirinho, 15 minutos de fama, que alguém fale da gente, um assentimento a uma idéia, um sorriso mesmo que de longe, um trabalho honesto, o nome no rodapé de um artigo elegante, um alô do locutor da aparelhagem, o melhor lugar na sessão de cinema, sussurros no ouvido, promessas de uma vida feliz, um diamante de quinze quilates, incenso, mirra. A gente quer o vinho, quer o cálice de ouro, quer pecar um pouquinho por palavras, gestos e intenções; quer qualquer forma de amor que valha a pena. Todo mundo quer. Todo mundo quer amor. Fazendo uma releitura que caiba sem assombros morais num sábado de manhã, os versos dos Titãs, nos alertam que: quem tem tudo no lugar, quem excreta, respira e tem prazer, quem é um praticante do bem sem olhar a quem, quer. Quem é crente ou pagão, feio ou bonitão, simpático ou turrão, baixola ou grandalhão, falante ou caladão, todo mundo quer. Todo mundo. Mesmo uma pessoa amarga e má quer amor. 
Não me desatarraxo dessa certeza. Procuro admitir que criamos mecanismos de defesa, mesmo que inconscientemente, que nos catalisam ou que nos viabilizam a felicidade. Ferramentas que confrontam a frustração e o desânimo. A gente corre atrás (e cai algumas vezes). 
É uma coisa do eu da gente, e não acaba. Não vê, gente podre de rico (o dinheiro já foi dito, é uma das caras do amor) que de repente pira, chuta o pau da barraca? Com certeza quer experimentar ou conhecer outras caras do amor. Muitos dos problemas atuais que machucam o juízo e a arte do pensamento são mal interpretados, tidos como injustificáveis quando se manifestam em pessoas aparentemente felizes, que têm tudo na vida. Daqui pra’li, aquela figura pra lá de bacana destrambelha. Oculta-se, desiste do riso, do siso e da prosa porque quer amor criptografado. 
E a gente tem dificuldade em compreender as carências. Somos impacientes. Taxamos as infelicidades de frescura, de esquisitices, de ansiedades bestas. E o mundo vai se desdobrando em tristezas, em silêncios e abstrações improdutivas. 
É um desafio aceitar isso, mas, ora, ratifico: uma pessoa boa quer amor, uma pessoa má quer amor. Isso, pra mim, não tem errada. Quer amor que a valha, com a cara que lhe apraza. 
Todo mundo quer amor. Daí os descontos... 

segunda-feira, 9 de julho de 2012

crônica remix- chuva em julho


 Sexta-feira, 23 de Julho de 2010 22:28:48
crônica da semana
Do Acre ao Afuá
Parece uma coisa. Tamanho julho e esses pampeiros no final da tarde molhando a cidade e cortando o barato da pracinha mais com pouco. Mas tá, então, em pleno mês de férias. Tô só vendo.
O aguaceiro, de vera, começou no domingo. Chamou a atenção porque não foi uma chuva comum de verão (amazônico), daquelas que se formam por causa do calorão com nuvens pesadas e escuras. Rolou uma moldura cinza-prateada, deu-se toda uma elaborada plástica nublada para que a água caísse.
Na segunda-feira foi flagrante essa situação. Até chamei os meninos para o meio do terreiro, pra gente ver aquele bailado das nuvens, bem pertinho da gente, raspando o nosso cocuruto. Uma experiência diferente para eles, ver o ziguezaguear descompromissado do vento levando as nuvens pra lá e pra cá, numa algazarra só, sem limites. E foi tão bacana, ouvir o farfalhar das árvores. Tão atraente, foi a anarquia do tempo d’tardinha que nos entregamos à paisagem plúmbea, aos relâmpagos riscando o horizonte lá longe, ao vento moleque zunindo nas esquinas. Aceitamos a bandalha da baixa atmosfera e ficamos pulando feito menino besta, no meio da rua, querendo tocar o céu que estava logo ali. E nos pegamos recitanto exclamações extemporâneas: “éraste, parece São Paulo. Um friozinho! As nuvens cá embaixo. Tá parece São Paulo!”.
Pode crer, aqui na Vila dos Cabanos, foi uma das poucas vezes em que a gente dormiu sem o ventilador rugindo de palmo em cima (depois, quando os primeiros pingos tocaram o solo, a euforia foi se desfazendo. Nos recolhemos e ficamos olhando a chuva da janela. E ela veio obediente, abundante, mas  sem presunção ou alvoroço e assim permaneceu durante a noite. Amiga, pertinente, aconchegante a chiar melodiosamente, no telhado).
É bem verdade que o aguaceiro não tem atrapalhado as férias. Acontece quando já estamos em casa depois de mergulhos e muitas carambelas na parte rasa das praias do Caripi e Itupanema. Mas a chuva segura a galera naquele início de noite (quando a praça é a pedida), numa intimidade não programada. Empurra-nos para dentro de casa, a passar o tempo jogando um dominozinho, maltratando o violão com quadrados manjados e largando conversa fora até mais tarde. E haja macarrãozinho instantâneo e Q-suco, pra conformar e distrair.
Agora, quarta-feira, enquanto escrevo estas impressões (ufa, quase que sai ‘mal traçadas linhas’), a noite lá fora, resigna-se aos respingos que ficaram da última mini-tempestade.
Só aí já se vão quatro dias de chuvas fortes, sempre neste horário. Se viessem daquelas nuvens negras, densas de fim de tarde, tudo bem, ratificaria a convecção. Mas o impacto (aprazível) na sensação térmica é que embanana a gente.
Mesmo porque, julho começou nos conformes. Calor forte pra chuchu. Dias encarreirados sem uma gota de água do céu. Garrafas de água da geladeira perdendo feio para a demanda e os vendedores de suco faturando alto nos cruzamentos da Almirante Barroso.
Tudo como reza o script, e de repente, quando a gente dá fé, o tempo destrambelha.
Nada a temer, porém. Acho que foi só um resfriamento solidário. A gente não viu o Acre, por esses dias registrando 7 graus de temperatura? (Lá também é o verão amazônico. Daqui a pouco os rios vão estar ‘só um fiozinho correndo no rego do açaizal’ e a imprensa vai mostrar a luta do ribeirinho sem rio por aquelas bandas). Estas nuvens argênteas que nos envolvem, talvez sejam um resquício, uma rebarbinha da friagem que atingiu o Acre e que veio se aquecer e se dissipar nos ares orientais da foz do Amazonas. E nos deram noites friinhas. Éraste, parece São Paulo!




sábado, 7 de julho de 2012

crônica da semana


Férias

Antigamente sabe aonde a gente passava as férias? No Tenoné. É vera. Tenoné, dantes, era interior. 
E era um custo pra mamãe deixar. Havia de se dispensar muito papo, muitas juras e declarações pra ela acenar com uma possibilidade assim, assim, remota. 
A cidade que a gente admitia, ia só até um pouquinho antes de bem acolá. Para nós, não ia muito além dos campos do Areal. E mamãe rezava na cartilha do filho próximo. O próprio Souza, o bairro, já era muito longe (tanto que as sedes pr’ali, herdaram o adjetivo ‘campestre’). Ali da Pedreira, nossos limites eram as matas da Aeronáutica, à margem da Dr. Freitas (coincidentemente o mesmo limite verde do primeiro plano urbanístico de Belém). 
Um horizonte muito perto resultou em poucas saídas de férias (além da pouca, da raríssima grana). Uma semana na casa da tia Irá (‘trouxeste short?’), no Acará; uns dias que me mataram de saudade da mamãe, no Mosqueiro; e umas escapulidas pro Tenoné, compõem os mais entusiasmados relatos das minhas férias, naqueles tempos idos que não mais voltam. 
O jeito era inventar. Costumo dizer que, naquela época, eu passava as férias no Ver-o-Peso. E não minto. Fazia uma tarde boa, era a senha: juntávamos a nossa patota da Mauriti, cada um com a sua lata cheia de minhocas, uns quantos anzóis, um estirão de linha e tomávamos o rumo (muitas vezes a pé) da Praça do Pescador. 
Por outra, deixávamos a pescaria de lado e nos batíamos para o Areal. Aquele lugar era o paraíso da molecada. Uma área imensa, toda nossa. Havia sábados que o Areal parecia um formigueiro de tanta gente. Cada turma ocupava uma fatia daquela planície maravilhosa. Sem arenga, sem maldades, a não ser aquelas pertinentes e permitidas no reino do futebol de rua. Nosso ‘campo de sonhos’ ficava no final da Visconde de Inhaúma, e ia até perto da Dr. Freitas, ou seja, um pé para um banho gelado no igarapé do Zé. Menino, sabe o que arruma. Mamãe se pelava de medo, recomendava não ir, mas quem disse que moleque tem tino. Ao cair da tarde, a gente sem nem poder enxergar mais a bola, davam-se por encerradas as pelejas (fosse qual fosse o placar: dez a oito; cinco a quatro; treze a treze...) e saíamos às carreiras, com mais de mil, para um mergulho proibido. 
Estas aventuras sempre davam em problemas em casa. Haja explicações, novas promessas, um castigo brando, mas nas férias tinha um desconto, né, e mais com pouco, as coisas se ajeitavam para entornarem mais adiante de novo, e assim a gente curtia o mês de julho. 
Tenho umas pendências com esse negócio de ambiente restrito, com falta de grana (não sei contar um isso de Salinas, por exemplo, nas minhas férias de infância, aliás, o que tenho guardado de Salinas, são as mentiras que escrevia na redação, logo quando as aulas tornavam. Mas eu fantasiava muito. Contava causos do ‘Sal’, que nunca existiram. O que rolava mesmo, com muita freqüência e intensidade, era o Veropa, era o Areal). Por isso, agora, com os meus meninos, faço um esforço, aperto aqui, espremo ali, e faço gosto que eles atravessem os limites da Primeira Légua. Na maioria das vezes, vieram aqui para Barcarena, conformarem-se às águas doces do Caripi. Mas também, e de uns tempos pra cá temos priorizado este destino, subiram e desceram dunas, nas praias encantadas de Algodoal. Fizeram até viagem para o sul do Pará, meus pequenos, quando nem sabiam pronunciar direito a palavra Parauapebas. 
Antigamente sabe aonde a gente passava as férias? No Tenoné. É vera. Tenoné, dantes, era interior e o tempo não era assim, de passar o dia todo chovendo e fazer frio à noite, em pleno Julho. 

terça-feira, 3 de julho de 2012

crônica remix- priscila


Vida Real       
Quando eu era moleque, se me perguntavam o que eu queria ser quando estivesse mais taludinho, dizia logo que queria ser ator. Sério. Não ia com aquela conversa de bombeiro, polícia, central-beque do Asas do Brasil...Açougueiro. Nada disso. Desviava das coisas pertinentes à virilidade masculina e jurava de pé junto que queria ser ator.
E meu argumento para uma escolha tão inusitada naquela fase de chumbo dos anos 70, era um só: queria porque queria beijar a Sandra Bréa.
Hoje sei que pensar em ser ator só para beijar a beldade da vez não faz vingar uma carreira.
A profissão de ator é muito mais exigente e bem mais severa do que pode compreender um desejo de infância. Demanda dedicação, estudo... Desprendimento.
Eu tava, esta semana, revendo o filme “Priscila, a Rainha do Deserto”, e taí, neste filme eu encontro alguns quês e porquês importantes que traduzem a carreira de ator.
O filme é um show de interpretação. Traz atores consagrados em papéis varonis, brutos, rijos, fazendo as vezes de  drag queens. Em Priscila..., me impressiona a desenvoltura do ator Hugo Weaving no papel do atormentado e, ao mesmo tempo, despachado transformista Tick, nas mais desconcertantes aventuras pelo deserto australiano. Weaving é aquele mesmo que fez o malvadão agente Smith em Matrix e o compenetrado elfo Elrond em O Senhor dos Anéis.
Surpresa, mas surpresa mesmo é ver o excelente Terence Stamp assumir-se, sob uma contrafeita maquiagem, como a lúcida e antenada Bernadette, na regência de uma trupe colorida, em performances impagáveis para os clássicos drags (com destaque, é claro, para o indefectível I will suviver). Ele,  Terence Stamp, que alguns anos antes havia incorporado o irredutível, o inabalável, o impiedoso general Zot, o kriptoniano que fez o Presidente americano ajoelhar-se submisso diante dele, em Superman II.
Citei as experiências dos atores de Priscila... para mostrar que o ator vai do hio ao chio com muita elegância. Quis ressaltar a inesgotável capacidade que um ator tem (ou deve ter) de transmutar-se, de transformar-se. De viver vidas diferentes.
Mas poderia citar, também, o sacrifício. Como o dos atores de A Guerra do Fogo, confinados que foram às caretas e às macaquices dos homens pré-históricos. Ou as performances enobrecidas somente pelo marketing, como a batidinha sem jeito de um lindo e famoso hollywoodiano que se vê estimulado a dublar o azinhavrado Shrek.
Foi refletindo sobre a vida de ator que, certo dia, traçando um papo cabeça (regado por um bom vinho de supermercado. Vocês já sabem qual é, né? Aquele bucólico!) com o clown João Guilherme Ribeiro, que rolou esta homenagem:
“Eu queria ser ator.
Queria ser Sons de peito aberto. Gestos em punhos decididos. Segredos pelo canto da boca. Expressões verdadeiras a altura dos olhos/Eu queria sentir o gosto frio do falso beijo.
Não ser triste e chorar/Revelar-me na fotoquímica das telas e sorrir sem ser alegre/Eu queria ser feliz. Ser ator/Eu queria desnudar-me sobre o tablado diante da Intimidade da platéia/Eu queria ser emocionante. Risível. Medonho. Asqueroso/Eu queria ser ardiloso na penumbra de uma trama maligna e inocente, na singeleza de um doce romance/Eu queria viver a vida de todos os homens-mulheres em mim/ E não ser ninguém/Não ser nenhum personagem./Ser feliz. Ser ator/Eu queria morrer dramaticamente Para a multidão/E viver Serenamente em mim/Eu queria, na vida real, ser ator.
Sim, eu queria”.