Oba, vamos salvar o planeta!
Mas pera lá, a Amazônia é nossa!
Se a gente for ver, aqui no Fórum Social
Mundial só tinha gente do bem. Pessoas apegadas às mais límpidas e às mais
puras das intenções. Bandeou-se por aqui um povo atento e respeitoso aos mais
incipientes traços de diversidade.
Convivemos, por esses dias, com
personalidades nobres, singelas, calorosas e corteses. Crentes reluzentes nas
possibilidades de um mundo melhor. Gente da mais boa qualidade.
(Na caminhada de abertura, depois
daquela chuvarada, encontrei com os meus meninos, ali pelos arredores do Bar do
Parque e ficamos apreciando os movimentos. Ocorreu que aquela agitação toda
provocada pela ‘arte do encontro’ entre tantas tribos e turbinada pela poderosa
chuva das três causou uma certa inquietação na minha filha e ela confessou-se
com medo. Tranquilizei minha bebê. Não havia o que temer porque todos os que
estavam ali, estavam em nome do bem e da paz. E acho que houve muito de
realidade naquele meu argumento.Não vi, na caminhada, um buxixo sequer, uma
alteração que fosse, uma saliência ou um comportamento violento. A caminhada
foi uma grande festa de sons, muita dança e muita cor. Foi um festival de
delicadezas).
Só gente do bem.
Eu entrei no clima. Fiquei meio embebido
nos vapores difusos da generosidade. Nas discussões que fiz sobre um ou outro
tema sempre me municiei de uma pitada de aquiescência e uma outra de humildade
(coisinhas que eram raras em mim até dia desses). Nada radical. Afinal a
tolerância, nessas horas, pode ser um pré-requisito para um mundo melhor.
Só que, muita suavidade, muita
conivência, muita bondade, essas coisas, como diria o filósofo alemão, quando
expostas ao sol, ficam muito parecidas com uma grande e insidiosa maldade.
E eis que numa dessas viagens que fiz de
Barcarena para Belém, dividi o convés do popopô com um gringo de fala
‘apatralhada’ e de bochechas rosadas.
Um amor, o estrangeiro. Bom de prosa.
Também, né, o clima favorecia. Troca de experiências, de impressões... Eu
dispus a ele todo o meu modesto conhecimento sobre a dinâmica do estuário
guajarino (que é uma coisa surpreendente até para nós nativos, avalie pro homi
lá das lonjuras). Ele Admirava-se: “oh, oh, beautiful, wonderful...” e
desandava em lembranças sobre os diques do Mississipi (o que não tinha nada a
ver com a nossa conversa, diga-se). Quando deixamos a baía do Carnapijó e
ganhamos o furo do Piramanha, o amigo animou. Apanhou duas latinhas e olha, me
explorou. Queria saber de um tudo. Detalhes. Aí eu já comecei a desconfiar
daquele amor.
Essa viagem de Barcarena a Belém, pelo
furo, digo sempre, não é uma viagem, é uma tese de doutorado. Cruzamos
paisagens diversas e tomamos contato com alguns dos traços mais comuns da
região, sejam eles do ponto de vista sociológico, antropológico, geomorfológico,
geopolítico... Enfim, essa viagem nos mostra as comunidades tradicionais, os
açaizais, o fenômeno das terras caídas, o efeito maré, a elegância da aninga e
a sutileza do matapi... o ir e vir rotineiro que dá vida ao nosso lugar.
O gringo ficou maravilhado com aquilo.
Ali, já pela entrada do furo do Nazário,
quando as margens se aproximam e os meandros se sucedem, o visitante não se
conteve. Colocou a mão pra fora do barco, triscou a marola e gritou:
“beautiful, beautiful, o Amazônia é nossa...O Amazônia é nossa”. Aí eu queimei.
Emburrei. Não dei mais papo. Fui até o bar paguei-lhe uma latinha e
distanciei-me para boreste em silêncio.
Como “o Amazônia é nossa”? Como, meu
pai?
Gente muito boa esteve por aqui no
Fórum, mas sabe, advertiu Nietzsche,
a bondade exagerada lembra de pertinho, a maldade.
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