Estrelinhas tão cintilantes
Estive
domingo no primeiro Arrastão junino do Arraial do Pavulagem.
Por
conta de umas ‘questões paralelas’, fiquei um pouco distante do palco.
Abriguei-me em uma nesga de sombra ao lado do anfiteatro, e de lá não arredei,
já que o sol estava de rachar o cocuruto. Ali tem um relevo bacana. O terreno forma
uma elevação que permite a gente ter a visão de pontos estratégicos da praça e,
por isso, nos oferece obliquamente a belezura daquela estátua de mármore em que
a figura de uma mulher representa a liberdade, e ao lado, as evoluções pávulas
e acetinadas do batalhão. É como se, confortavelmente, houvéssemos a fritar o
peixe e a olhar pro gato.
Esta
característica do relevo aliada a minha sombrinha preciosa (ouro, prata e
brilhante), me cativa. Não tem quem me tire dali...A não ser as ‘estrelinhas
tão cintilantes’. Fico por lá, quieto,
até quando ouço os primeiros acordes da música “Iniciais BP”. (que eu prezo
como o hino do grupo). Quando toca essa música, eu piro e vou lá pro meião
arriscar uns passinhos consoantes com a coreografia.
Todo
mundo pira, essa é que é a verdade. Esta música entra como uma apoteose. É o
ápice. O esplendor. O sentimento que inspira é que ela entra no show para
coroar o esforço de uma pá de gente que luta para colocar o folguedo do
Pavulagem na rua. Penso que ela tem este quê de restauro, de sublimação, realiza-se
como um prazer compensatório.
Para
nosotros que nos animamos e nos inebriamos com a canção, ela entra para encher
o coração de alegria (porque potencializa o valor da cultura popular, rejuvenesce
a fé em coisas boas, revigora desejos e recompõe ânimos). A canção incendeia a
multidão. Causa delírios e prazeres tórridos (o sol, né, no zênite, tinindo). No
trinado de uma senhora duma guitarra bem tocada, ela se anuncia devastadora. A
terra treme, as fitas flutuam ao vento, os corpos erguem-se no ar, as estrelas
do dia cintilam. E a gente se entrega alucinado e feliz ao ritmo.
E
eu tento traduzir isso com uma palavra. Fenômeno. O Pavulagem é um fenômeno.
Tá
bom. Tô sendo parcial, tietando indecorosamente. É verdade que gosto dos
meninos do Arraial. Admiro o conjunto da obra que se mostra no Arrastão. Mas há
outros motivos para a rasgação de seda (porque agitação e êxtase também foram
ingredientes do show do Iron Maiden, por outro lado, tem gente que se
descontrola vendo os sertanejos Victor e Léo. Emoção, portanto, é sentimento
comum nessas horas). Fico procurando outras origens para aquela sensação de
felicidade que nos desperta na manhã seguinte ao domingo de festa (porque há um
tanto de fármacos que estimulam a atividade dos neurotransmissores no cérebro e
nos regulam o humor com eficácia. A felicidade é coisa da química). Pondero, ainda:
não é só no Arraial que vemos um mundo de gente em ebulição.
O
segredo do Arraial pra pegar a gente pelo pé (literalmente) permeia os campos
da amizade (sempre proporciona grandes encontros), da longevidade (com 24 anos
de existência, o Arraial já contabiliza boas histórias), da preservação
cultural (a bênção dos santos joaninos protege, por certo, a festa). E o
fundamental, o que para mim determina a empatia do grupo com o público: é a
afirmação de uma arte sedutoramente sonora e radiantemente poética.
Domingo,
lá ‘pelas uma e pouca’, como diz a galera, quando terminou o show na Praça da
República, já perfeitamente refeito do transe, banquei a tradução: o Arraial do
Pavulagem é um fenômeno. Um delicioso fenômeno junino. Desaloja a gente da
sombra, da obliquidade discreta e ilumina com cintilantes estrelas, os
escurinhos do nosso coração.
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