O Trabalho Dignifica o Homem
Sempre
trabalhei. Comecei com 9, 10 anos, por aí. Primeiro foi num escritório de
advocacia. Minha mãe conseguiu com uma amiga, que eu fosse para a lida no
relevante papel de ajudante de office-boy. Só fui um dia. O patrão estressou
com um cliente e eu entrei na hora exata, com o cafezinho. O homem ralhou de lá
e eu me tremi todo de bandeja na mão. Larguei tudo na copa e saí chorando.
Passei pela secretária, a dita amiga da minha mãe, que não dei nem as horas
pr’ela. Fui chorando desde o escritório, na Santo Antônio, até a minha casa na
vila Três irmãos, lá na Visconde.
Minha
mãe estranhou a minha chegada assim, de olhos vermelhos e quando perguntado,
respondi que não ia mais voltar para aquele lugar porque o homem tinha gritado comigo.
É
claro que aquilo foi mais melindro da infância, do que uma agressão desleal. O
advogado não tava nem aí pra mim, naquela hora. Alterou a voz numa daquelas
discussões normais do ofício. Depois mandou me chamar dizendo que tudo tinha
sido um mal entendido. Mas quede que fui? Fiquei impressionado.
Tratei,
porém, de apagar o trauma. A situação não dava tempo para depressões ou reflexões
aprofundadas.
Com
o dinheiro da indenização (sim, ainda fui remunerado pelo meu dia de chiliquito
no escritório) mamãe comprou uma geladeirinha e n’outro dia, lá s’estava eu
pegando o estirão da Visconde até o campo do Areal com um capital inicial de 20
picolés.
Eu
sempre fui muito tímido, meio envergonhado e muito sem graça. Não tenho tino
para a venda (apesar de, inexplicavelmente, ter vivido desta atividade durante
um bom tempo) e odiava ser colocado em evidência na minha luta com o picolé.
Detestava quando gritavam por mim, lá do outro lado da rua “ei, picolezeiro,
vem cá. De que é que tem?” Ah, eu ficava piriricas com aquilo. Mas fazia a
venda. Baixava a cabeça e ia de encontro aos fregueses, repetindo para mim
mesmo “picolezeiro é a mãe. Picolezeiro é...”
Para
mim, a coisa tinha que ser no silêncio, sem alarde. Por causa disso, e já com
uma geladeira maior, me estabeleci impávido entre o unheiro e o bombonzeiro, na
calçada do Alzira Pernambuco. E, com singular recato, por lá fiquei um tempo,
ganhando o meu, até que apareceu a oportunidade de trabalhar como empacotador
no Carisma em frente ao campo do Remo.
Quando
eu fui trabalhar no supermercado, eu era deste tamaninho. Olha só, hoje, após
previdentes proteínas e alguns vidros de Calcigenol, eu tô com metro e
cinqüenta e um, que dirá, na época do pão e meio para quatro, no jantar! Era um
custo para mim, dar conta daqueles paneiros ainda mais quando tinha que levar
nas casas. Eu não alcançava o carrinho. Os meus colegas é que arrumavam a carga
pra mim e de lá eu saía me batendo errante pela Almirante Barroso. Os fregueses
é que me ajudavam, davam uma força (além da gorjeta), quando ela me faltava.
(O
melhor de trabalhar no Carisma - depois, Pão de Açúcar) era que em dias de
jogos, sempre dava pra gente pegar os 15 finais, lá no Baenão).
Este
meu período de batalho, na tenra infância, reproduz, com certa crueza, a idéia primeira
que se formou sobre o trabalho. No início trabalho significava sofrimento, dor.
A própria palavra deriva do substantivo latino tripalium que era o termo usado para designar um aparelho de
tortura. Credo!
E
às vezes, o trabalho se impõe realmente como um fardo pesado (igual aos
paneiros do Carisma), mas a história trata de reestruturar as idéias.
O
trabalho é um dom. Tenho pra mim, que por causa do trabalho é que freqüento
esta e não outra página deste jornal.
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