No meio do caminho tinha uma árvore
(cont.)
Espeleologia é a ciência que
estuda as cavernas. A palavra vem do latim spelaeum.
Deriva também do termo grego σπήλαιον (lê-se spelaion),
que significa...caverna (e olha só, quer dizer que aqueles temidos símbolos da
matemática são usados para fins pacíficos também, que bom!).
Pois
é, vagávamos perdidos à procura de uma σπήλαιον,
digo, de uma caverna. Na pira. Cansados. Maltratados pelos carrapichos e pelo
tirirical que nos lascava a pele. Minha comadre Cléo já estava perdendo a
esportiva. Dizia que não queria mais brincar de porcaria nenhuma de caminhada
na mata e que queria ‘a mamãe!’
Valmir
Casado era o guardião dos víveres. Coitado, vivia se engatando com o teba
daquele isopor cheio de comes-e-bebes. Mas não abandonou o nosso tesouro. Muito
responsavelmente, tomou conta da nossa mais preciosa bagagem (o uisquinho, o
uisquinho!).
Estávamos
amofinando, quando de repente, varamos numa picada bem larga, limpa. Varrida.
Clóvis pegou o rumo na bússola para se certificar que estávamos indo pro lado
certo, mas nem era preciso. Um vento forte, veloz, ritmado, vinha de encontro à
gente. Um farfalhar alegre, anárquico, sensual brotava do fim da picada e vinha
nos acariciar, curar as nossas dores. O indiscreto deslocamento de ar
denunciava a proximidade da... cachoeeeeeeeeeeeeeeira!
Não
contamos conversa. Saímos em desabalada. Casado , pela primeira vez, na
caminhada, se separou do isopor. Todo mundo foi largando tudo pelo caminho. Se
desfazendo das mochilas, dos tênis, das camisas, dos recatos. Descemos a
ladeira com mais de mil e... tibum! Mergulhamos, reconfortados, na água
friíssima do lago que aparava a cachoeira. Uma maravilha!
Ficamos
ali, de molho naquele laguinho, um tempão. Relaxando, tirando brincadeiras uns
com os outros, mergulhando de olho aberto. Até que alguém falou que a água da
cachoeira era boa para não sei o quê. Então fomos todos para debaixo daquela
cortina de água, com a língua pra fora, tentando captar o maior volume de água
possível para efetivar as nossas curas (ah, sim, o mal maior que tínhamos a ser
curado naquele momento, era, obviamente, a sede. E a cachoeira, como era de se
esperar, confirmou a fama: nos saciou).
Depois,
recolhemos as tralhas largadas pelo caminho e nos preparamos para explorar a caverna.
Antes
de entrarmos, afinamos o nosso comportamento no diapasão que vibra nessas
aventuras espeleológicas: “de caverna, nada se tira, a não ser fotografias; e nada
se deixa, a não ser pegadas”.
Entrar
numa caverna é uma coisa extraordinária. Uma experiência extremamente prazerosa,
inigualável. A gente se vê voltando alguns milhares de anos no tempo. E se
entrega à escuridão, à umidade do ambiente, aos segredos da vida diferente
anunciada no rastejar cego de ‘micobrinhos’ silenciosos e no rumorejo tétrico dos
morcegos...
A
gente se rende à altivez de formas surreais esculpidas na rocha,
à
força desmedida que corrompe, que destrói e que ao mesmo tempo, remodela,
redesenha com zelo e singeleza...
O
clima que reina em uma caverna nos revela que a versatilidade da natureza, os
insondáveis motivos erosivos, solúveis, pacientes, eternos formam o mosaico
misterioso da criação, expressam a fórmula desafiadora que jamais iremos
deduzir. Mas que, com educação (ambiental, inclusive), entusiasmo e, acima de
tudo, respeito por tão bela arte, podemos sentir plenamente.
Abrimos
o nosso uisquinho e brindamos a toda aquela belezura. Era hora de partir.
No
caminho de volta, desviamos de um bando de rinocerontes ferozes e nos perdemos
de novo. Mas isso é outra história.
Ei, cadê a outra história?
ResponderExcluirCarminha Filha