Mãe
só tem uma
E
a minha mãe é a melhor mãe do mundo. Tá legal, todo mundo tem a melhor mãe do
mundo. Só que vou reivindicar este privilégio para mim, agora, tá. Conto já já,
o porquê desta presunção.
Minha
mãe tinha várias qualidades. Já contei algumas, neste espaço e a que me vem
assim, rapidola, só para relembrar, era a visão avançada das coisas. Uma
virtude expressa numa das propagandas que ela mesma produzia e rodava na rádio
cipó, para uma barraca de confecções que tínhamos na feira da Pedreira. Uma
pérola que dizia assim: “Barraca Santa Luzia, confecções da mais fina estampa,
elegância em fio de escócia, algodão, lycra. As novidades da moda feminina e
artigos variados para o conforto das crianças e a boa pinta dos rapazes. Temos
também, batonzinho da Avon, creme Shen e toda a linha de desodorantes da
Cristhian Grey. Barraca Santa Luzia, em frente ao bazar Brasil”. Embora a gente
alertasse que o reclame se excedia na divulgação dos produtos de multinacionais
do cosmético e do afamado bazar Brasil, a mamãe nem ligava. “O negócio é a
referência”, sustentava Luzia, altiva, enfática. Mais tarde, por causa da
consagração de um comercial da empresa de aviação Cruzeiro do Sul, que ao final
da propaganda colocava a musiquinha da concorrente (um tanran ran/ tanran ran/
tanran ran de poderosíssima pressão subliminar) deixando claro que o seu prédio
ficava bem em frente ao escritório da ‘Varig Varig Varig’, é que fomos perceber
que a mamãe estava coberta de razão.
Um
outro traço marcante na mamãe era a perseverança, a busca incessante. Tenho
vários exemplos. Posso citar um bem radical e ao mesmo tempo, espirituoso...
Tínhamos também, o inevitável ‘crediário Santa Luzia’ e eu fazia as vezes de
prestação. Vendia de porta em porta, ia pras cobranças e depois, tinha que me
ver com a sabatina da mamãe:
-
Sim, tu chegaste lá e aí...
-
Eu disse: “a mamãe mandou dizer pro senhor mandar a encomenda dela”.
-
E ele?
-
Ele disse que não tinha naquela hora e que era pra eu passar pra semana.
-
E tu?
-
Eu falei: “a mamãe mandou dizer que é pro senhor fazer uma forcinha e pagar a
prestação porque ela tá encalacrada”.
-
E ele?
-
Ele disse que não podia fazer nada e que não tava ajuntando dinheiro com gancho
por aí, por isso eu tinha que ter paciência e voltar pra semana.
-
E tu?
-
Aí, eu disse pra ele que ia lá na Passagem do Arame, depois lá na Dr. Freitas.
Voltava pela Marquês, depois ia ver o finzinho do jogo no campo do Asas e
depois passava de novo pra ver se ele conseguia um ‘por conta’.
-
E ele?
Bom,
aí já viu, né. Se eu desse corda, o diálogo ‘e ele/e tu’, não acabava nunca. Eu
até gostava. Segurava a conversa, porque exercitava a minha criatividade. O
certo é que depois do segundo ‘e ele?’ eu ia inventando porque o pagamento já
estava prometido pra semana mesmo, e não tinha jeito.
(Este
é um mês terrível para mim. Perdi mamãe no dia seguinte ao meu aniversário, às
vésperas do Dia das Mães, e logo depois de nos termos prometido amor eterno.
Isso me dói. Me dói...Depois daquele tristíssimo 15 de maio de 1998, quando ia chegando o
mês das mães, eu vinha
ficando pra baixo, ensimesmado, escrevendo textos comovidos, doloridos. Mas
hoje não. Hoje resolvi mostrar esta face extraordinariamente moderna,
instigante, bem humorada de minha mãe. A melhor mãe do mundo por causa deste
amor infindável -que nos prometemos- e que me sara e me cuida com ‘certeza e
altivez’ e bom humor, como era o seu estilo. E isso, essa lembrança boa de
minha mãe me conforta tanto que, olha só, dessa vez, nem chorei).
Bença, Luzia
Bença, Luzia
Tu nem choraste, mas eu chorei! E não foi pouco!
ResponderExcluirLembro que li essa crônica na época em que foi publicada. Linda!
Nem conheci a dona Luzia, mas tenho certeza de que ela realmente era uma pessoa maravilhosa. Caso contrário, jamais teria criado este filho querido, homem de bem.
Um beijo, Sodré!