domingo, 30 de janeiro de 2011
sábado, 29 de janeiro de 2011
Crônica da semana
Andar com fé (pelas ruas de Belém)
Encontrei a comunidade ‘Andando a pé por Belém,’ outro dia, no Orkut. Rapidola que quis participar. Vigi, já fiz muito isso. Por necessidade, naqueles tempos em que eu varava da Sacramenta, lá perto de onde é hoje o elevado Daniel Berg, até a Mauriti, nas altas horas; por pura bandalha, quando me abalava com a molecada da minha rua lá pras bandas do Agronômico, pra arapucar passarinho; ou por questões prioritárias, quando eu usava a grana do ônibus na coleta de uma rodada de ‘Coquinho’ para a comemoração de uma turma que estava formando na Escola Técnica (e éraste! Toda sexta tinha uma turma, dizque, se formando. Aquilo era uma perdição!).
A minha batida da Sacramenta é clássica. Já contei sobre ela aqui. Rolou por vários motivos e cada um deles com sua nobreza. Mas teve uma que não foi na Sacramenta, e que marcou. Ai, meu Deus, não me lembro bem, mas acho que foi lá início dos anos 80. Antes, porém, umas premissas:
Tinha meu amigo Edir Gaya. Confiava nele pra tudo em quanto (como até hoje, ressalte-se). Era ele o meu guardião (mesmo porque eu sempre fui pequenininho e ele, um teba dum macho que já na adolescência, tinha quase metro e setenta de altura, queixava-se ser bom de briga, encarava qualquer parada e coisa e loisa). Pai d’égua! Na companhia dele, eu, gitinho que era, me sentia protegido. Vínhamos sempre juntos, a pé, das sessões musicais do Hera da Terra, vergando a Tordesilhas que separava a Sacramenta da Pedreira. Eu ficava na Mauriti, e ele seguia sozinho lá pra fronteira com a Matinha. Essa era a nossa lógica.
Só, que certa vez, invertemos a passada. A peça ‘A Ópera do Malandro’ veio para uma temporada no Teatro da Paz. Fizemos das tripas coração para conseguir grana para um ingresso no Paraíso. Conseguimos. No dia da apresentação, sentimos o quanto o povo está longe dos grandes espetáculos. Acho que fomos os primeiros belemenses (pode até ser que eu esteja enganado, mas fora aquele circuito popular de inserção tipo Projeto Pixinguinha ou Jaime Orvalle..., acho que fomos os pioneiros mesmo) a entrar com trajes simplesinhos e...chinelos de dedo, no suntuoso teatro. A platéia estava impecável (até aqueles que nunca tinham ouvido falar de Chico Buarque ou Bertold Brecht capricharam nas caras, bocas, panos e adereços).
Folgamo-nos a valer com a peça (não me esqueço das pernas da Marlene, já com alguns aninhos a mais que sessenta, ou daquela seqüência fascinante em que ela cantou “Uma Canção Desnaturada”, com Terezinha no seu colo). Tudo ali, naquela noite era divino e maravilhoso. Mas precisávamos estar atentos e fortes.
Quando acabou a peça, estávamos sós. A elite cultural paraense acionou seus choferes e sumiu. E nós, ó, ficamos bestando. Já era de madrugada. Não havia ônibus. Dinheiro, foi só aquele do ingresso mesmo. Ficamos um tempo na parada. Mas quite. Nada de ônibus (nem um cristo qualquer pra gente ‘amucegar’ até São Brás). Partimos para a pátria amada.
Encontrei a comunidade ‘Andando a pé por Belém,’ outro dia, no Orkut. Rapidola que quis participar. Vigi, já fiz muito isso. Por necessidade, naqueles tempos em que eu varava da Sacramenta, lá perto de onde é hoje o elevado Daniel Berg, até a Mauriti, nas altas horas; por pura bandalha, quando me abalava com a molecada da minha rua lá pras bandas do Agronômico, pra arapucar passarinho; ou por questões prioritárias, quando eu usava a grana do ônibus na coleta de uma rodada de ‘Coquinho’ para a comemoração de uma turma que estava formando na Escola Técnica (e éraste! Toda sexta tinha uma turma, dizque, se formando. Aquilo era uma perdição!).
A minha batida da Sacramenta é clássica. Já contei sobre ela aqui. Rolou por vários motivos e cada um deles com sua nobreza. Mas teve uma que não foi na Sacramenta, e que marcou. Ai, meu Deus, não me lembro bem, mas acho que foi lá início dos anos 80. Antes, porém, umas premissas:
Tinha meu amigo Edir Gaya. Confiava nele pra tudo em quanto (como até hoje, ressalte-se). Era ele o meu guardião (mesmo porque eu sempre fui pequenininho e ele, um teba dum macho que já na adolescência, tinha quase metro e setenta de altura, queixava-se ser bom de briga, encarava qualquer parada e coisa e loisa). Pai d’égua! Na companhia dele, eu, gitinho que era, me sentia protegido. Vínhamos sempre juntos, a pé, das sessões musicais do Hera da Terra, vergando a Tordesilhas que separava a Sacramenta da Pedreira. Eu ficava na Mauriti, e ele seguia sozinho lá pra fronteira com a Matinha. Essa era a nossa lógica.
Só, que certa vez, invertemos a passada. A peça ‘A Ópera do Malandro’ veio para uma temporada no Teatro da Paz. Fizemos das tripas coração para conseguir grana para um ingresso no Paraíso. Conseguimos. No dia da apresentação, sentimos o quanto o povo está longe dos grandes espetáculos. Acho que fomos os primeiros belemenses (pode até ser que eu esteja enganado, mas fora aquele circuito popular de inserção tipo Projeto Pixinguinha ou Jaime Orvalle..., acho que fomos os pioneiros mesmo) a entrar com trajes simplesinhos e...chinelos de dedo, no suntuoso teatro. A platéia estava impecável (até aqueles que nunca tinham ouvido falar de Chico Buarque ou Bertold Brecht capricharam nas caras, bocas, panos e adereços).
Folgamo-nos a valer com a peça (não me esqueço das pernas da Marlene, já com alguns aninhos a mais que sessenta, ou daquela seqüência fascinante em que ela cantou “Uma Canção Desnaturada”, com Terezinha no seu colo). Tudo ali, naquela noite era divino e maravilhoso. Mas precisávamos estar atentos e fortes.
Quando acabou a peça, estávamos sós. A elite cultural paraense acionou seus choferes e sumiu. E nós, ó, ficamos bestando. Já era de madrugada. Não havia ônibus. Dinheiro, foi só aquele do ingresso mesmo. Ficamos um tempo na parada. Mas quite. Nada de ônibus (nem um cristo qualquer pra gente ‘amucegar’ até São Brás). Partimos para a pátria amada.
Detalhe: neste traçado de lógica invertida, my best friend ficava primeiro. E como eu era super/hiper/mega dependente, pedi que ele me deixasse em casa. O pequeno deu um pulo lá longe. Mas como, já, se eu moro bem aqui logo? Emburrei diante daquela reação e fiquei de mal. Pra completar, choveu uma chuvinha fina na madrugada. E tiramos aquele estirão da Alcindo Cacela em silêncio, como se tivéssemos comido abiu. Foi batata. Quando chegou na Curuzu, o Gaya quebrou pra direita e eu segui sozinho pela Pedro Miranda até em casa. Na solidão e na chuva fina, me senti um homenzinho de verdade andando a pé ‘pelas ruas de Belém’, naquela fria madrugada.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Olha pro céu
Eu estava em Rondônia quando, numa viagem em companhia do Geólogo Roberto Moscoso de Araújo, fui apresentado, pela primeira vez, aos encantos do céu.
Nos primeiros instantes da viagem, Moscoso me perguntou se eu conhecia alguma coisa do céu noturno. Eu, meio sem jeito, meio envergonhado, confessei-me completamente zerote sobre o assunto. Roberto então desandou, com muita elegância, na lição.
“Tá vendo ali, as Três Marias?”, ele dizia. “Ali, as três estrelas juntinhas, tá vendo?” Eu não via nada. “Ali,”, insistia, pacientemente, o meu amigo, apontando, sem medo (de ganhar uma ‘berruga’), o dedo para as estrelas.
É sempre assim. A gente, de prima, não atina para o negócio. Se embanana todo no meio de tantos pontos brilhantes e não consegue ligá-los nos conformes da figura.
Mas fiquei atento e, levado pela enorme generosidade de Roberto Moscoso, fui aos poucos reconhecendo: as Três Marias... Na verdade, o Cinturão de Órion, o Grande Caçador. Depois, brilhando tímidas no céu, Plêiades, as sete irmãs (conhecidas como Chavinha ou Tercinho) que têm a característica de serem melhor percebidas com a visão periférica. No canto abaixo de Órion, Cão Maior, exibindo a arrogância de Sirius, a estrela mais brilhante do céu. E, protagonizando o cenário, a constelação de Touro trazendo o caprichoso vermelho de Aldebaran.
Uma breve amostra para mim naquela noite (mas ‘um indispensável recado para a humanidade’). Meu amigo me trouxe uma das paisagens mais ricas, esteticamente e culturalmente, do céu e me revelou não só a sua beleza como também, a sua aplicação, a sua importância para o desenvolvimento das sociedades (as estrelas foram essenciais para a elaboração de calendários agrícolas, na Antiguidade).
Depois daquele dia, colecionei uns quantos mapas do céu, li um livro de Astronomia (e que ninguém nos ouça: tomei emprestado e não mais o devolvi para o dono), acompanhei a passagem do cometa Hale-Boop e cometi o erro de comprar um telescópio (?) no shopping. Localizo agora os planetas e mais algumas constelações, faço previsões de marés em função da lua e procuro partilhar o meu prazer com os outros, usando a mesma didática do meu Mestre: “tá vendo ali, as Três Marias?” Mas os meus amigos nem me ligam. Acham que é bobagem. Que eu sou meio tantã. Às vezes, só pra me agradar, me enganam dizendo “tô, um trianglinho...tô vendo...Pronto”, e se desligam desinteressados. Com minha filha, sobre Júpiter, nem a dica funciona: “e aquele ali, minha filha, com brilho forte, é o maior planeta do sistema solar. O nome dele é...Jú...Juuuú...”
E ela, docemente, responde: jujuba, pai.
E eu, por mim, continuo olhando pro céu.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Bolero
Noite
De confidentes estrelas
Distantes companheiras
De minha solidão
Mar negro
Deserto de amores
Silencioso abrigo
De meus segredos
Ah,
Insondáveis são meus sentimentos
Mesmo que
Na hora da minha noite
O veneno das paixões
Lagrimeje insuportável
Do fundo dos meus olhos
Calada é a minha voz
Nesta imensa vaga
Violada por brilhos tristes
Submissa a minha vontade
De dizer a ela
Que sem ela
Anoiteço
Todos os dias
Melancolicamente
A minha vida
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Flores
Procurei flores
No teu olhar
Mas espinhos incandescentes
De carinho
Me rasgaram o peito
Mas lampejos fugidios
De desejo
Me cegaram os olhos
Flores,
Mas tua íris
Virou adaga afiada
De golpes certeiros
A me separar órgãos
Almas
Lábios
A me apartar sonhos
Flores, procurei
Mas teu olhar
De fogo
Sem piedade
Dizimou minha paixão
Chama fulminante
Sem poesia
Fez cinzas
Do meu coração
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Crônica da semana
Um poema pra Belém
Quer ver a gente dar o maior valor na terra da gente, é só passar uma temporada fora. Quer atinar para os mínimos detalhes, coisinhas que na convivência diária, a gente passa batido ou até despreza, é só ganhar o trecho por um bom tempo. Aí a gente sente na alma, o quanto dói uma saudade.
Meu pai do céu, como me bati com esta dor! Quando saí de Belém, pela primeira vez, era um bebê. Tinha 19 anos e nunca havia saído debaixo da saia da minha mamãe. Sofria horrores. Ficava revirando a memória, enfeitando passagens nem tão significativas assim na vida, revivendo momentos brilhantes. Ajeitando um jeito de sentir saudade e imaginando a hora de voltar (contando os dias. Na primeira fase de Rondônia, foram 404 dias marcadinhos na folhinha, até as férias).
Foi-não-foi, eu me via mergulhado numa saudade devastadora. E a gente inventa cada moda: eu que nem sou assim tanto de tomar tacacá, emburrava e morria de pavulagem em Rondônia porque o tacacá que eles faziam lá, não era de responsa e a gente ainda tinha que se encher de frescurite pra pegar o jambu com palitinho ou com garfo (nananina do dedo em pinça, que aliás, é um rito inabalável aqui). Camarão então. Se em Belém, o camarão já rareia avalie por lá, a 2 mil quilômetros do mar.
A gente se supera. Qualquer brisa é motivo de nos empurrar para o banzo. Até da algazarra dos urubus do Ver-o-Peso, eu sentia falta, sério.
Minha mãe era minha companheira na distância. Nos comunicávamos por carta (e a letra da mamãe era, verdadeiramente, um acalento, um afago macio, um consolo de longe, de tão linda e esmerada que era). E era tudo nos conformes, com envelope, selo, destinatário, local e data no cantinho, margem, tudo pontuado direitinho, signatário subscrito ‘com o carinho da mãe’ e um manchadinho de lágrima. Todo mês, a mamãe ainda me fazia um agrado. Montava um kit e enviava pelo correio pra mim. Uma cesta com o triunvirato do guaraná: Garoto, Vigor e Guarasuco (até quando este, que estava em todas, resistiu), um exemplar do PQP; kilo, kilo e meio, por aí assim, de farinha de tapioca; um vidrinho de qualquer essência colorida das erveiras, uma cerâmica de Icoaraci, e pelo Círio, sem errada, me mandava um roque-roque.
Os amigos também faziam a ‘pré’. Certa vez, ganhei um cartão postal que tinha um apelo visual tão forte, tão envolvente, que até hoje ainda me tira de rota. Retratava um lote de pimentas de cheiro multicores, em uma composição extraordinariamente harmonizada. Numa das minhas férias, em Belém, perdi este cartão, ali pela Presidente Vargas. Um choque. Lamentei profundamente a perda daquela obra de arte.
As férias sempre acabavam... E eu tinha que voltar. Aí, o sofrimento se multiplicava. A volta me causava um sentimento de perda insuportável. Eu me via de dor. E passei anos da minha vida assim, recitando um poema pra Belém, com lágrimas nos olhos: “Tiau, Belém/Minha terra, mãe, eu vou partir/ É chegado o momento de sentir tristeza/ Esta lágrima no rosto é minha saudade/ Ver-o-Peso, vento forte/ O cheiro da cidade vai até/Um belo dia eu te reencontrar/ E de novo te mimar na minha poesia/ Te cantar e te contar/ O quanto tu cativas/ O menino que no mundo/ Só se vê voltando/ para ti/ Tiau Belém/Que outra rima te faça mais bem/Que meus versos melancólicos de despedida/Que em outros campos, minha morte/ Seja tua vida/Chuvas às três, a maresia, minha namorada/Vou partir/ Comigo vai/Tua canção lembrança e companheira/A história, a infância pedreirense e o meu Paysandu/Na bagagem, os amigos, gozos e alegrias/Minha graça/A minha voz/ E a vontade de ficar/Tiau Belém”.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
Pois não é!
Eu te destruo
À luz dos dias
E revives
Na agonia
De minhas noites
Ainda mais
Linda e sedutora
Eu te expulso
Dos meus pensamentos
Mas te anuncias
Sempre mais vibrante
Pulsando no meu coração
Eu te nego nas minhas mentiras
Alardeadas aos quatro cantos
E explodes
Sutilmente
De minhas verdades sigilosas
Eu te desconheço nas minhas vitórias
Mas estás
Na raiz da minha
Mais humilhante
Derrota
Eu te evito tragar
Mesmo que só um pouquinho
Ou às escondidas
E a tua névoa brilhante
Indiscreta
Penetra em meus poros
E me alucina
Eu te abandono nas minhas esquinas
Mas
Zonzo com as voltas
Que o mundo dá
Acabo voltando
Aos teus braços
domingo, 16 de janeiro de 2011
Ne ne quitte pas II
Esses franceses...
“Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos...Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor...”.
Assim, com esta explicação, começam as aventuras de Asterix, o gaulês. O herói, criado há 50 anos pelo roteirista René Goscinny e pelo desenhista Albert Urdezo, vive numa pequena aldeia à beira- mar, encurralada pelas guarnições do exército romano. Ajudado por companheiros pra lá de especiais e por uma poção mágica que lhes garante um poder sobrenatural, Asterix e seus camaradas não se rendem e aprontam poucas e boas aos legionários de César.
(Meu primeiro contato com as revistas do Asterix foi em Rondônia. À época, a publicação contava com 27 edições. Todo mês eu pegava uma graninha e comprava um exemplar. Quando vim de férias para Belém, cheguei todo metidão, com minha coleção completinha: dias antes havia conseguido na Livraria da Rose, em Porto Velho, o mais recente lançamento, “O Filho de Asterix”.
Hoje em dia, conhecemos as aventuras de Asterix por causa de algumas estrelas como o ator Gérard Depardieu, que vive o intrépido Obelix nas versões para o cinema, e também por algumas produções em desenho animado. Mas o bom mesmo, para mim, são as edições impressas. Há uma certa magia na criação. O traço desenvolto de Urdezo e o texto bem-humorado de Goscinny são impecáveis, fascinantes. Há também, o fato de as edições serem únicas, especiais e historicamente bem argumentadas. Estes pormenores nas publicações se refletem, é claro, diretamente no preço. Um exemplar composto de aproximadamente 50 páginas, hoje, é bem carinho para os padrões de consumo de um operário que vara os dias e as noites pensando num jeito de trocar a geladeira que já está naquela fase de ter a porta amparada por um eficaz e multiético tijolinho.
Mas, naquele distante ano de 1984, eu desembarcava em Belém, de férias com a bagagem cheia de Asterix. Vinte e sete exemplares reluzentes, sem vincos. Só que não falei nada daqueles pormenores pra mamãe. Arrumei as revistas em uma caixa junto com alguns jornais e fui matar a saudade da minha Belém querida.
E eis que numa dessas minhas escapadas, passou lá por casa, um comprador de jornal velho. Daqueles que antigamente iam de casa em casa comprando papel. O golpe foi fatal. Mamãe pegou minha caixa e despachou a minha coleçãozinha de Asterix’zinho por uma merreca. Hoje seria coisa de um Real o quilo. Dá pra imaginar, né...Se existiu um zinho completamente desnorteado por aqueles dias, este um fui eu).
A Gália era uma região que hoje, corresponde à boa parte da França. Asterix, de certa forma, representa a natureza heróica do povo francês. O guerreiro resgata a altivez do líder Vercingentorix, cujo ato de depor as armas diante de César, mais o engrandeceu do que o deprimiu.
A teimosia de Asterix reverbera entre os franceses. Ecoa pelos escaninhos de Nanterre, lembrando maio de 68 e as palavras de ordem de Dany le rouge. Exibe-se nos lábios revoltosos de Brigitte Bardot e de Isabelle Adjani; no olhar arrebatador de Alain Delon e no sorriso indecifrável de Juliette Binoche. Traduz-se numa França cheia de inquietações e se reproduz em Zidanes argelinos.
Subversão que se desenha nos modelos de Chanel e Yves Saint Laurent. Desvela-se em Piaf, em Carla Bruni. Impõe-se na defesa intransigente da língua mater de Jeanne d'Arc. E que se denuncia ante a genial sonoridade de Ravel.
Asterix é um pouco da Revolucionária vontade (irrigada pela fluente coragem de Danton) que resistiu por entre os escondidos de Paris e que destronou os invasores nazistas.
Como diria o Obelix: “Esses franceses são...demais!”.
(Vou conseguir um dinheirinho e na Feira do Livro deste ano, vou começar outra coleção dos adoráveis gauleses).
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Crônica da semana
Em novembro do ano passado, durante o Encontro Nacional de Cultura do Sesc, me dei com uma turminha bacana. Jovens artistas, produtores culturais, educadores, de fora do Estado, do interior. Todos muito gentis e agradáveis de estar. Num final de tarde, nos juntamos uns quantos e fomos para o Bar do Parque passear, espairecer um pouquinho. Alguns não conheciam nem a praça, nem o bar. Sabiam da fama do lugar, mas ainda não tinham experimentado um happy hour sob os auspícios daquele cantinho de Belém. Uns poucos, já eram vetera, como eu, de tantas e indomáveis ‘buxixeatas’, na batida da campa dos anos oitenta.
Subimos a avenida, os degrauzinhos do bar e fomos nos ajeitando por entre as cadeiras e mesas de ferro até aquela última mesa que fica de quina com o calçadão da praça, ao pegado do ponto de táxi. Eu que não sou besta nem nada, guiei o pessoal pra’li. É o meu lugar preferido (houve uma época, quando eu trabalhava por aí pelo mundo que, quando chegava de férias, passava horas, levantando copo naquele lugarzinho, pegando respingo da chuva fina, contando as colunas do teatro da Paz, apreciando aquele vai-vem da esquina da Gama Abreu com a Presidente Vargas, dando um cigarrinho pra um, uma moedinha pra outro, dispensado aquel’outro mais insistente com um aceno decidido).
Mas, ô coisa pra dar certo: quando a gente tava ali, num aplicado simpósio, eis que me apareceu o Bandeira e choveu uma chuvinha. Exatamente nesta ordem.
Ao final dos abraços e apresentações, o Bandeira, cunhou a frase decisiva para aquela tarde: “tão Belém, isso!”.
Aquilo ficou ecoando na minha cabeça: “Tão Belém”. Huummm, deve ser algo tipo gente que se gosta, generosos sorrisos, esquina movimentada, teatro ao lado, risco iminente de manga despencando, garçom se fazendo de mouco, dialeto afrancesado-mas-como-já, céu plúmbeo...E a conversa rolou agradabilíssima sem dar a mínima para a máxima umidade relativa do ar.
Deu certo também, porque o Bandeira é uma personalidade indiscutivelmente fértil da história recente de Belém. E aí uma conversa puxa outra...
E recebemos, encantados, recados preciosos dos dias belemenses, pelos ‘causos’ que o Bandeira desandou a contar. Tudo vivido ali, nas imediações da Rua da Paz: A dita buxixeata, na campanha do Lula em 89; o movimento estudantil em favor da meia-passagem; A luta pelo porto de Carajás (que perdemos para o Maranhão); O Paranatinga Rui e o maestro Waldemar Henrique; A música e a poesia, nas intermináveis noites depois da Adega do Rei; o papo cabeça do explosivo teatro do Luiz Otávio Barata, depois do ensaio de ‘Genet - o palhaço de Deus’; a Festa da Chiquita só com os “Borboletas do Mar”, com a Cristina Gazel, o Moura, minha namorada e mais uns poucos gatos pingados amparando os copos de cerveja em caixotes de madeira. A transladação passando serena e desimpedida ao largo.
Confidências. Descobertas. O Bandeira não é Geólogo, como uma pá de gente pensava. É Sociólogo. Revisões. Atenção da platéia. Gente de bem refletindo.Terapia de bar. Frustrações coletivas. Alívios coletivos. Corações e Mentes coletivamente mais leves. Culpas superadas. Rio de Janeiro (Luiz Bandeira é carioca). Manhã tentadora manhã. Cobertor-calor-amor. Poesia. Fernando Pessoa. Cecília Meireles. Que seja eterno, Vinícius. Com tanta força, tanta energia, tanto sentimento, Bandeira declamou. Chuvinha salgada. Sal e chuva. Lágrimas.
Emoções e verdades. Decidir, um dia, ser feliz. Festa da Chiquita e coragem. Chuva fina, colunas neoclássicas ao lado, o movimento afoito da esquina da Gama Abreu com a Presidente Vargas. Amor proibido amor.Tão Belém!
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Não vou sair, não vou deixar este lugar
Hoje, é bem mais fácil de entender. Abro o Google Earth e num instantinho reconstruo a viagem que fiz desde os férteis barrancos do rio Acre até a indefinida foz do Amazonas. Na imagem, revisito os retorcidos rios ocidentais; a inesgotável bacia hidrográfica; o sufocante estreito de Breves; a imensidão marajoara; a mansidão do Arrozal; os acintosos espigões; a simetria britânica e a perdoável arrogância das torres do mercado de ferro do Ver-o-Peso... Belém.
A baía do Marajó nos deu as boas vindas com um furioso banzeiro que levava o Domingos Assmar a uma perigosíssima coreografia alternando-se em audaciosas inclinações a bombordo, a estibordo. E a gente enjoando, se desesperando. Mamãe cuidando. Acalmando. Até que, impotente diante da forças das águas, nos juntou os quatro pequenos no camarote e nos uniu em fervorosa oração.
Deus sabia que queríamos ser paraenses, e quando ouvimos a quebradeira do mato, quando sentimos o ronco dos motores suavizar-se num surpreendente desafogo, quando percebemos um deslizar cômodo e seguro sobre o tapete líquido do furo do Arrozal, paramos de chorar, e nos abraçamos felizes com a certeza de que chegaríamos naquela Belém que mamãe tanto falava. Naquele lugar mágico margeado por florestas, rios grandes, sonhos e desejos. Naquela terra prometida em que reconstruiríamos as nossas histórias e reinventaríamos a vida longe das ruas de seringa e dos enlatados imperialistas.
(A mais determinante seqüência, desde a partida naquele batelão de linha, lá no Xapuri, que trago na memória é esta: a saída daquele furor líquido da baía do Marajó, a reconfortante estaladeira de mato, a calmaria do Arrozal e... As torres do Ver-O-Peso).
Se alguém um dia me pedir para definir Belém, não vou ter dúvidas. Belém é a minha bonança. A minha paz.
Tudo conspira, né. Todas as circunstâncias contribuíram para que eu admitisse que Belém seria a minha redenção, o meu fim, o meu desprendimento, o meu suspiro de alívio (depois daquele frenesi, na baía do Marajó, então, Belém foi uma graça alcançada).
Desembarcamos no galpão Mosqueiro-Soure dizendo “é aqui” nesta beira de rio.
E foi mesmo. Meus momentos mais marcantes da infância, da adolescência, da juventude e agora, já fazendo a rima com o ‘enta’, foram sempre à margem desta baía.
Um beijo, um porre, um pensamento mau, um dinheirinho suado, uma desilusão, um assombro, um arrependimento, uma despedida, um reencontro, uma poesia, um palavrão, uma maldição, meu bem, meu mal, minha indiferença, o pôr-do-sol, o luar, a cachaça de Abaeté, uma nota no violão, a chuva fina, o amanhecer, os olhos farinhados de sono, as pimentas coloridas e o verde das folhas orvalhadas pela madrugada, o mistério das ervas, o imprevisível humor das ondas que às vezes vão buscar a gente lá longe, a brisa amiga e refrescante no final da tarde, a minha saudade e o sal das minhas lágrimas que rolam agora sem embaraço nenhum...
Certa vez, depois de algumas adaptações, e um casamento perfeito, debandei. Passei dez anos vagando por aí. Trairei Belém. Me apaixonei por Porto Velho, tive um caso quase que irreparável com Altamira, me iludi com os apelos calientes de Manaus, destrambelhei completamente por Macapá. Mas um dia... Um dia voltei aos aconchegantes braços da minha cidade.
E daqui, não saio mais.
Na beira deste rio quero descansar. Um dia (não agora, ainda não) atendendo a um convite irrecusável da natureza, o que restar de mim, “é aqui” que gostaria que repousasse para sempre. Quero me misturar às águas deste rio e virar maresia, maré cheia, Acará, Guamá, Guajará...
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Ne me quitte pas
A menina atravessa
A minha vida
Brincando
Avec sa poupée
A menina
Elegantemente desajeitada
Delicada escultura
Doce tentação
Negra
Grega
Quando atravessa a minha vida
Brincando avec sa poupée
A menina
Rosa, lírio
Ninfa dos rios
Sedutoramente desalinhada
Guerra
Paz
Em meu desprotegido litoral
Brincando de ilusão
Avec sa poupée
A menina de instintos ingovernáveis
Atravessa a minha vida
Exalando inocência
Brinca de boneca com meu coração
E me abandona em francês
sábado, 8 de janeiro de 2011
crônica da semana
Tava doido pra desejar feliz ano novo pros leitores. Não deu pra fazer antes da virada. A folhinha do ano cravou para o sábado, o Natal e o primeiro dia de 2011. Neste dia o jornal não circulou e o pessoal da redação teve merecidas folgas para as Festas. Aí, fizemos uma combina. Eu faria a coluna na sexta do Natal e o Denis Cavalcante, na do ano novo. Na batida da campa de 2010, também tive uma folga e fiquei livre para pular as ondinhas, e fazer os meus pedidos, na praia do Caripy.
Confesso que senti falta. Nesses 5 anos, não lembro se gazetei um diazinho assim, ó, aqui no Magazine. Mas foi bom. De vez em vez é bom flanar pela semana sem compromisso estilístico, sem a inquietação do título no jeito, sem o comichão da introdução/desenvolvimento/conclusão (não necessariamente nesta ordem). Com esta folguinha pude me dedicar com zelo, ao uisquinho que ganhei pelo Natal, da Patrícia, minha companheirinha de trabalho.
Ah, pra não perder a viagem, vai lá, gente do meu coração que eu amo tanto: um ano novo enormemente feliz. Lá de dentro do meu ser, desejo a todos, um ano iluminado, repleto de realizações. Que Deus vos abençoe e vos brinde com serenidade, paz e inspiração para perceber as coisas boas do mundo.
E tem mais uma parada que, mesmo atrasadinho, eu estou numa cuíra pra contar: entrei no amigo invisível, com o pessoal lá do trabalho. Caramba, quando fui convidado para participar, gelei. Tenho trauma.
O meu temor com a brincadeira de amigo invisível vem lá detrás. Teve origem na minha adolescência, quando eu morava na vila Mauriti. A turma da vila era animada pra essas coisas. Todo ano tinha um movimento ali. Contratavam o sonoro, punham as mesas pra fora, partilhavam os comes e bebes, a ornamentação. Eu já era um moleque taludinho, não era mais de ficar com sapatinho na janela. Até já trabalhava na feira, na barraca do seu Jorge. Foi então que minha mãe colocou meu nome no papelzinho.
O suspense durou pouco. Dias depois do sorteio, corria um boato fortíssimo de que o meu nome havia sido tirado pela d. Guajarina e já me adiantavam até o presente que ela havia comprado pra mim: um short daqueles sem elástico, sustentado por um fio que corria pelo cós e findava num laço na cintura do moleque, tinha um emblema fora de escala do bicola que tomava todo o tecido e era vendido em quase todas as barracas da feira, inclusive na do seu Jorge, aquela que eu trabalhava.
D. Guajarina era uma viúva que tinha muitos filhos e que sempre a visitavam, mas morava sozinha. Era meio esotérica, tinha visões. De vez em quando chamava a molecada da vila e ficava mostrando uma garrafa com água, na qual dizia que havia uma floresta onde habitava Iemanjá. Sustentava, também, pra todo mundo que era mãe da Maria Cláudia, uma atriz global que fazia sucesso na época com a personagem Amanda em Plumas & Paetês. Pra quem vivia com o dedo desmentido, como eu, por causa da bola na Marquês, a reza silenciosa da d. Guajarina era tiro e queda. D. Guajarina me reservava surpresas. Mas enfim, quando o povo fala, ou foi, ou é, ou será e eu já estava até conformado com o meu popularíssimo short da feira.
No dia da festa, a frustração veio potencializada. Que short, que nada. D. Guajarina me deu um prato de plástico e uma tigela com os dizeres ‘À querida mamãe’. Desabei no choro.
Até este Natal de 2010, tinha medo que me pelava da brincadeira de amigo invisível. Agora me veio a forra. Ganhei da minha amiga super visível Márcia Cabral, de presente, um livro que eu tava a fim e que me revela ser o nosso mundo, uma infinidade de misteriosas imperfeições.
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
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