domingo, 23 de fevereiro de 2025

crônica da semana - sacode a poeira

 Levanta, sacode a poeira

Segundo minha netinha, caí de maduro.

Coisa que tenho mais zelo é evitar os tropeços da idade. Faço as minhas caminhadas, academia, tento fortalecer os músculos, a cabeça e o esqueleto. Tanto cuidado, tanto cuidado, enchinei foi com beira e desabei na calçada um dia desses sem poder nenhum de reação.

Nenhum machucado, a não ser um latejado na ponta do dedão do pé e uma vergoinha difusa. Caiu um velho de quatro pernas.

Final de tarde, saímos para espairecer e fugir do calor causticante que consome o humor e torra os miolos aqui em terras cariocas. Um passeio na praça com a netinha até a chegada da noite, que aqui, só acontece perto das 19 horas; a ilusão de um alívio na temperatura e voltamos para casa. No meio do caminho, aliás, em boa parte do caminho, o calçamento é deformado pela exposição ou elevação de raízes das árvores que resistem à margem da rua. Por isso, em muitos pontos a calçada se quebra e forma desníveis radicais. Num deles, patetei, desviei o olhar e só senti o pé dando de encontra com uma face saliente de pedra. Perdi o equilíbrio. E aí é que vem a parte da tensão e da graça da Santa Nazinha nossa paraense. Minha netinha vinha andando de mãos dadas com a gente, comigo e com a avó (o que faz parte da valência da Virgem de Nazaré, já que na maioria das vezes, por causa da travessia da rua, ela vem no meu colo). No entanto, mesmo a neta no chão, quando desequilibrei, senti que podia puxá-las ela e Edninha, junto. E seríamos dois, três tombos de uma vez. Na outra mão eu trazia uma sacola de supermercado com pequenas compras, mas com força suficiente para me lançar para frente. Foi o que se deu. A sacola fez o pêndulo e me tirou a possibilidade de reagir à queda. Mais que depressa quebrei a correntinha que nos unia, larguei a mão da neta e desabei para frente. Tudo aconteceu de uma forma bem cadenciada. Do jeito de uma cena em câmera lenta. Tenho consciência de todas as etapas da queda. Acho que por causa de uma sequência de movimentos que, particionados,  poderiam até evitar minha queda, mas por acasos desafortunados foram neutralizados. Assim, pude medir e analisar o tombo e, olha só, este domínio da cena me deu condição de definir o final daquele tropeção. Decidi por uma queda digna em rolamento lateral. Tentasse evitar, o resultado seria bem pior, com maior atrito, mais travas de corpo e tendência a deslizar e me ralar todo ou sofrer uma luxação, fratura. O que fiz foi largar o corpo, fazer o giro e me deixar levar. Uma queda espetacular, mas sem nada quebrado, sem sangue, arranhões ou raladuras. Juntou gente, passantes, populares vieram ajudar, tive aquela reação envergonhada sim, mas no frigir dos ovos considerava o fato positivo de estar tudo pelo certo. Retomamos o caminho, nos permitimos umas pilhérias já que estava tudo bem. A neta, ainda meio desconcertada saiu com essa de o vovô caiu de maduro e relaxamos. Sacudi a poeira seguimos caminho acreditando que vale a pena cuidar do corpo e, se caí, foi, em boa parte, culpa de uma configuração urbana que nos abandona, os vovôs, mas também as crianças, os adultos...

(Importa sacudir a poeira e seguir em frente. Eu fico abismado quando alguém ataca a Educação. E, nos tempos atuais tão sem tino, pipocam de todos os lados agressões. Quando não atentam contra métodos, insultam professores; quando não negam políticas ou diretrizes educacionais, solapam a carreira de educadores, encaminham reduções em planos salariais. Acontece nos quatro cantos deste país. Aconteceu no Estado da COP 30, na batida da campa do ano passado e foram ações que causaram sofrimento, frustrações e dor. O que aconteceu no Pará foi um caso claro de queda que resultou em muitos arranhões. Mas por outro lado, gerou resistência. Quem acredita que a educação muda vidas levantou, sacudiu a poeira e agora, segue em frente).

 

sábado, 15 de fevereiro de 2025

crônica da semana - imagens maravilhosas arpoador

 Imagens maravilhosas

Isso é que dá mudar o programa em cima da hora. Logo eu que sou chato pra essas coisas. Não me avio com saídas além dos trilhos. Me apraz o roteiro todo certinho calculado na introdução, desenvolvimento e conclusão, inclusive com a certificação de lanchinho para dar sustância, no entremeio da programação e transporte à hora para voltar pra casa. O que ocorreu é que mudamos o plano.

A idéia era fazer um traçado de visita aos museus do centro. Desconcentramos e quando demos fé, já era de tarde. Fiz a conta, deduzi os novesfora e concluí que não iria dar tempo. O objetivo era esticar o que desse e concluir o itinerário na Pequena África. Só que já chegaríamos lá ao cair da tarde, com tempo mínimo para conhecer. E lá não pode ser com pressa, muito da história de africanos escravizados está ali. No rumo do metrô, alteramos o passeio. Decidimos pelo tradicional, e de forma alguma descartável, pôr do sol na pedra do Arpoador. Uma boa, até porque ainda não havíamos acompanhado o cair da tarde nesta época do ano, de solão de rachar. A mim, especialmente interessou a possibilidade de registrar a distância de ocultação do sol com relação ao morro Dois Irmãos, agora pelo verão e caminhando o astro-rei para o Equinócio. Sou metido a apreciar e entender esses detalhes astronômicos, né.

Tudo pelo certo, chegamos ainda com o sol ardendo no cocuruto. No caminho para o Arpoador, resolvemos fugir dos raios UV e demos um tempo espairecendo pelo parque Garota de Ipanema, que fica ao pegado da pedra. Sentamos num banco para apreciar o movimento, nisso, demos com uma placa indicando a localização de um mirante, com desenho de mapa e texto estimulando a subida até lá: “você fará fotos maravilhosas”.

Titubeamos. A ladeira era bem inclinada. Pouca sombra no caminho. Mas ousamos explorar. Reforçamos a camada de protetor solar e rumamos pra riba. Um jovem casal que também estava na dúvida, quando nos viu partir, partiu atrás. Fizemos duas paradas para descansar e aproveitar uma nesguinha de sombra dos poucos ramos de árvores que se projetavam sobre a rampa. Passaram à frente e quando varamos no mirante eles já estavam lá expostos àquela luminosidade de encandear e torrando no sol. Aquele ambiente, pelo menos naquela hora do dia, não expressava o que dizia a placa. Até que tínhamos uma visão de parte da praia de Ipanema, mas para captar uma imagem boa exigia uma ciência que não tínhamos. A luz intensa empastelava pra valer e estourava nossas fotos. Foi quando identificamos uma trilha se estendendo sobre a mata remanescente, à ombreira do morro. Deduzimos que pra’quele lado talvez houvesse outro mirante ou coisa outra aprazível que justificasse o arrazoado da placa. Nos embrenhamos.

Éramos só nós dois, eu e minha companheira Edna, nos deslocando naquela picada. As pessoas já garantindo lugar lá embaixo na pedra para contemplar o pôr do sol e a gente inventando marmota de explorar, de buscar fotos maravilhosas.

Mais adiante, bateu o medo comedido. É que, no repente, identificávamos alguém naquele estirão solitário. Aqui, um casal de rapazes sempre à margem do caminho, com um olhar desviado; ali, uma turma desconfiada. Alguns quando nos viam, entravam mais do que depressa na mata. Eu tentava demonstrar calma à minha companheira, dado o contexto. A gente não é da barra, não conhece as manhas... lugar ermo, e quem aparece se esconde ou recolhe o olhar em silêncio. E com jeito de que não estavam ali atrás de fotos maravilhosas. Estranhamos. Eu sei que é errado a gente maldar. Não minto não. Teve momento que deu vontade de sair dali nas carreiras.

Quando avistamos a saída lá embaixo, pensei que, o que estivessem fazendo, fosse da parte do amor e do carinho, era melhor que continuassem, afinal não estávamos ali para julgar ninguém, somente para captar imagens maravilhosas.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

crônica da semana - torcida inflamada

 Torcida inflamada

É fato dado e repetido aqui, que futebol, gosto é mesmo de jogar. Mas faz mina de tempo que não entro em campo. A última vez foi um desafio pelo aniversário do meu filho. Os amigos de papai contra os amigos do Argelzinho. Salão. Quadra do Alegria. O destaque desse jogo folgazão foi a atuação extraordinária do meu compadre Edir Gaya fechando o gol do nosso time em defesas instagramáveis. Por outro lado, houve o incidente de uma cara branca que me derrubou logo nos primeiros minutos de jogo. Fiquei só suspirando e com alguma dificuldade. Na empolgação da hora, ninguém maldou gravidade naquela indisposição. Fui substituído por uma amiga do Argel que figurava no plantel do outro lado, em concessão que ensejou a nobre missão de completar os times. E o fute seguiu. Depois daquele passamento nunca mais me arrisquei um instante que seja, em partida de futebol, ainda mais porque na sequência dos fatos, me descobri cheio de bronca nas coronárias, alterações no ergométrico, um cansaço! Eu heim, optei por um zelo maior com o meu coração.

Do jeito que gosto de futebol, e com as chuteiras penduradas, fui me ajeitando nos atrativos do esporte e passei a prestigiar os jogos e bem mais pela TV. Sou do tipo acomodado. Prefiro a TV mesmo. Tem replay. Além disso tem o sofazinho, água gelada ou um cervejinha; banheiro, caso precise, sem fila e interação pouca com desconhecidos. Sou assim, só fico de boa nas partes, se eu tiver domínio do ambiente e das frequências. Me sinto mais à vontade, onde eu conheça a maioria dos frequentadores do lugar. Já pensou um jogo em estádio lotado, com 25, 30, 50 mil pessoas? Piro total. Incomoda também meu baixo rendimento na percepção das jogadas. Muito alarido, gente na minha frente, sou baixolinha. Perco muitos lances e no estádio não tem replay.

Até tentei. Há alguns anos minha filha me convenceu a ir com ela no jogo do Paysandu com o Vila Nova. Avaliei, ponderei. Time de fora. Deve ser tranquilo. Fomos recepcionados, logo na esquina do Chaco, com um cordão reforçado da PM, de metralhadora e tudo. Cheiro de spray de pimenta no ar. Bateu o desespero e na hora quis voltar pra casa. Decidimos por entrar no estádio. Não tive paz. Durante o jogo era barulho de bomba e gritaria lá fora. Eu só pensando como sairíamos dali. Imagina só alguém que, por questões já citadas, via pouca coisa do jogo, nesse dia, não vi foi nada. Estava psicologicamente anuviado.

Entendo a temperatura alta nas aglomerações em favor deste ou daquele time. A torcida tem o direito de incentivar, dar moral pro time. A torcida merece ser feliz. Ocorre que a massa inflamada, por vezes, sai da atmosfera da paz. O calor evapora comedimentos, respeitos, empatias. E criam-se cenários tantos e outros de animosidades. Mesmo quando o jogo é de torcida única.

Aconteceu agora por esses dias, mais na minha cabeça, que no fato real, mas de forma indicativa, ativadora de memória. Saí rapidola de cena, não acompanhei o desenrolar das coisas, mas me chegou notícia que teve polícia distribuindo borrachadas.

Uma pena porque estava preparando o espírito para, pela primeira vez e dentro daquele sentimento de valor histórico e tal, presenciar um jogo no Maracanã. Fiz um ensaio. Foi ao Maracanãzinho. Acompanhei meu filho no jogo de basquete entre Flamengo e Vasco. De manhã. Entrada permitida somente para a torcida do Flamengo. Tudo no jeito. Deixa que, no último quarto, por causa de uma arenga de jogo, a coisa desandou, a torcida do Flamengo se inflamou, jogou objetos, água na quadra. O tempo nublou. O Vasco abandonou o jogo. Já fiz o sinal pro meu menino pra aproveitar e saltarmos fora. Ele contemporizou. O custo foi um cidadão soprar atrás de mim que aquela confusão poderia atrair a torcida do Vasco para um tira-cisma lá fora (o que não aconteceu, óbvio). Levantei da arquibancada na hora. Bora pro sofazinho, é que é.