Ponto de vista
Nós
que povoamos os quadrantes da cidade grande, perdemos cada espetáculo! Tudo por
causa do ponto de vista.
O
que torna é que percebemos o mundo à nossa frente, restrito no alcance e no discernimento.
E além: limitado à rotina e ao vuco-vuco dos grandes centros. Eu tiro por mim
que, mesmo madrugador às vezes passo batido nos fatos e casos. Mesmo os
absurdamente chamativos e fascinantes.
É
o que vem acontecendo desde o início de agosto. Tenho acompanhado uns pontos
luminosos se movimentando no céu da madrugada em trajetórias ordenadas e num
arranjo plástico, robusto e acima de tudo harmonizado com a paisagem de fundo,
o que dá ao movimento uma pitada de mistério, magia e muita beleza.
Só
não passei batido agora porque os deslocamentos acontecem, e ainda por
enquanto, um pouco acima do horizonte. E aí é que entra o nosso ponto de vista.
Dispensamos atenção a aspectos observáveis limitados pela rotina, e que, pelo
comum, nos leva a perceber a maioria das coisas na linha de visão horizontal, ou
se muito, uma coisinha cima e, em regra, à nossa frente. Aqui, ali, num acaso, nos
volvemos para os lados ou atentamos para além, para a visão periférica. Temos
um sestro coletivo bem aquietado para ver o mundo. Ninguém amanhece o dia
investigando o que está acima da horizontal, no alto da cabeça.
De
sorte que acompanho de palmo em cima o alinhamento de Marte e Júpiter, tendo
como coadjuvantes as três Marias, bem do ladinho; Sírius, a estrela mais
brilhante do céu; e agora chegando na batida da campa do mês, a lua minguante.
O chique da formosura e do embelezamento celeste. Quem não viu, perdeu. Porque
a partir de agora, todo esse conjunto vai sair do nosso ponto de vista (aquele
horizontal ou um pouquinho acima). Os astros vão caminhar para o meio do céu e
mesmo que a gente supere o sestro coletivo e saia de casa olhando pra cima,
além da dor no pescoço, vai rolar uma frustração, porque logo logo amanhece e a
luz do sol encandeia as vistas. Outro evento deste calibre só daqui a dez anos
e sabe-se lá, se ocorrerá no nosso ponto de vista ou no cocuruto do céu. Ainda
bem que registrei tudo, com umas fotos pirentinhas, reconheço, de celular, mas
o valeu a pena. Valeu o registro histórico.
No
início mencionei pontos brilhantes e só depois os identifiquei como sendo os
planetas Júpiter e Marte. E aí vem a outra parte da história. Hoje na
modernidade com a ciência desvendando mistérios e a informação alargando
conhecimento, a gente sabe o que são. E quais são os planetas envolvidos no
alinhamento. Mas na Antiguidade...
A humanidade quando olhou pro céu (e me parece, do mesmo jeito que gente hoje, com o mesmo ponto de vista) identificou a repetição ano após ano, das mesmas estrelas, as mesmas constelações. Uma paisagem que não mudava. As três Marias eram sempre vizinhas da estrela Sírius, de Aldebarã, das Plêiades, guardando a regra e a mesma distância, também de outras estrelas mais ou menos visíveis. Agora imagine, numa freqüência de a cada dez anos, outras estrelas aparecendo, interferindo e se movimentando no meio daquele cenário estático. Nossos ancestrais piravam. O que seriam aqueles pontos brilhantes bandalhos, que avacalhavam a ordem celeste? Antes da genialidade humana agir, a explicação para evitar sustos e impertinentes incompreensões, nossos antecessores encontravam nas narrativas míticas. Relacionaram aquelas aparições com os deuses. Eles, poderosos, interferindo e modificando o determinismo celestial. Aos pontinhos brilhantes, deram o nome dos deuses. Neste agosto em destaque e se alinhando, encontramos Marte, o deus da Guerra e Júpiter, o rei dos deuses. Contados a princípio eram só cinco, os visíveis. A ciência veio depois, achou mais quatro planetas. Refletiu critérios tirou um e hoje são oito. Todos passeando pelo infinito. Aqui, ali alinhando-se e nos desafiando a ampliar nosso ponto de vista.
Sodré! Teu escritos são sempre um presente e gosto de os ler. É mo meu ponto de vista tens a tua particularidade e modo próprio q mesmo sem o teu nome saberia q és tu. L K
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