Mil vezes
Ao
ouvir aquele encarreirado de invencionices, fiquei bestinha da silva. É que
insisto em admitir a boa fé da humanidade.
Nessa
minha bestice de acreditar sem eira, sofro. Fiquei muqueado de corpo e alma. Todo
doído de ver uma mentira sendo contada com tanto deslambimento. E dói mais
quando se trata de subversão de uma história que eu vivi de palmo em cima.
Pois
estava eu numa prosa leve, retomando fatos corriqueiros, prosaicos das
vivências no meio operário; e investido de uma segurança inabalável porque em
todos os passos que minha categoria deu, no árduo caminho da sedimentação de
uma relação capital/trabalho equilibrada, sem ninguém cozer ninguém em fogo
alto, eu estive presente. Em todos! Desde as nossas peladas lá pelas onze da
noite, num campinho em plena área de concentração de moradias familiares, na
Vila dos cabanos, passando pelas rodadas de cerveja na fronteira dos domínios
da Jacutinga, nas saída dos turnos; até os enfrentamentos formais em Brasília
para a ratificação de uma representação sindical química e legalmente estável.
No frigir dos ovos, esta evolução das massas operárias em Barcarena, sem
presunção, domino. E quando acaba, estava ali, diante de uma fantasia.
Uma
situação constrangedora, que me fez lembrar a máxima da propaganda nazista
quando pregava que se uma mentira é contada mil vezes, reina ser verdade.
Uma
deixa, uma dica para prestarmos cuidado com os fatos. A preservação da verdade
é um trabalho árduo que a gente vê sendo abalado rotineiramente. Hoje em dia é
difícil a gente identificar daqui pra’li, uma realidade reta e justa sendo
defendida.
No
caso da reuniãozinha em que estive envolvido, optei pela reflexão e
identifiquei algumas características dessa narrativa: é comum o gerador das lorotas
não ser o agente ativo da ação. Não tem história nobre ou relevante a contar
dele mesmo. Daí busca iluminar o alter ego. Também é normal a pessoa não se
limitar a contar o mal contado. Faz por onde parecer que ela, embora não fosse
protagonista, estava ali, orbitando a trajetória de outros. Mostra-se como
testemunha dos ocorridos. E elabora argumentos contundentes no sentido do ‘eu
vi’, ‘eu testemunhei’, ‘eu estava lá do lado’. Esta é uma iniciativa que procura
credenciar a fraude. Evidencia convicção, domínio sobre a pauta, molda a
enganação em formatos inquestionáveis e cenários de referência.
Exatamente
naquela ocasião eu estava na paz, querendo distância de arengas. Tratávamos de
reminiscências doces. Preferi fazer uma interpretação e dar causa àquela
situação. Atinei, porém, que embora doce, mentira era. E formulei um
entendimento que ganha sentido nos fenômenos atuais que incentivam o apagamento
ou a corrupção da história. A estratégia é sempre encontar um público alienado
ou associado a um pensamento negacionista. Neste cenário, o terreno é fértil
para a semeadura da versão que é mais apropriada ao potoqueiro.
Com
o tempo, digeri este episódio de forma a não sofrer tanto, como aconteceu logo
nos primeiros momentos em que a artimanha foi se revelando. Depois caí em campo
com minhas certezas e reações possíveis. São eventos deste porte que valorizam
a imprensa responsável, os geradores de conteúdos comprometidos. Vejo que a
minha missão como observador de calçada é escrever os passos sociais como
realmente são executados, sem tropeços, saltos milagrosos ou fantasiosos. Devo aproveitar
as oportunidades que tenho para defender o verídico ocorrido. E a pesquisa é
fundamental. Todos os atores estão aí para contar os fatos, existem documentos,
notas, informativos, provas que facilmente desfazem a versão que ouvi naquela
reuniãozinha (que deveria ser leve, coisa de rodinha do café). São evidências
que precisam saltar um dia da gaveta para o registro histórico. E que não
precisam ser repetidas mil vezes para se estabelecerem como verdades.
Este escrito com um fundo sociológico forte viu. "vejo que a minha missão como observador de calçada é escrever os passos sociais" ameeiiii
ResponderExcluir