Entre as hélices do Hirondelle
A
primeira vez que entrei em um avião, foi num Hirondelle da TABA. Era uma nave
clássica, tradicional. Tinha uma relação colaborativa, funcional e ao mesmo
tempo afetuosa com a região amazônica. Cruzava os céus da floresta carregando
sonhos, atenuando saudades, ativando metas, expectativas. E transportando a
minha turma de Mineração em visita ao projeto de bauxita às margens do rio
Trombetas, no início dos anos 80, naquela primeira vez que ganhei os céus. Um
detalhe lhe atraía a atenção do mais desatento passageiro. As enormes hélices
instaladas em cada uma das asas. Um desenho aerodinâmico subversivo que nos
envolvia em um tempo instintivamente pretérito. Um tempo apegado ao passado,
num presente em que os aviões já adotavam os poderosos motores a jato. Fazia as
vezes, a aeronave da TABA, de uma relíquia, de aspecto ultrapassado,
envelhecido, retrô radical, se comparada, ali de palmo em cima com os 737 da
vida, nos estacionamentos de aeroportos. E nem era. No limite do seu cada qual,
dava a mesma conta do recado dos grandalhões e posudos pra lá de turbinados.
Chegava em escondidos de rios e florestas que nenhum outro vôo comercial
chegava. Dominava os rincões. E também não são de forma alguma, conceitos
ultrapassados. Em muitas rotas pelo Brasil, os aviões de hélice ainda operam.
Os da TABA sim, abandonaram as coordenadas dos ares. Estes sim, datam do
antigamente. Do tempo em que fazíamos rolés pelos corredores da Escola Técnica
e íamos dar nas beiras de rio.
Tenho
o avião como uma das criações humanas mais extraordinárias, di rocha, e de
certo, arte sublime, elevada. Quase milagre. Impressiona sem lapso o meu tino,
a minha razão. Agora, durante as férias, visitando a netinha no Rio, fiquei
horas no aeroporto, acompanhando encantado, dezenas de pousos e decolagens. Suspirando.
Pensando coisas como ‘é verdade, é verdade, o ser humano é incrível, genial.
Como põe no ar uma monstro desse’. Impressionante. É reconfortante, a mim,
perceber e admitir esta grandiosidade do engenho que vem do dentro do nosso
cocuruto.
(Como
também, me dei por satisfeito ao constatar que lá no Rio de janeiro, aquele
passeio aleatório que a gente faz com a galera, do jeito que era pelos
corredores da ETFPA, com minha turma, nas horas vagas da tarde quente, é
conhecido como rolé. Deste jeitinho, com este ‘é’ aberto, ao contrário do vulgo
dominante que dá uma pronúncia fechada ao ‘é’. Comum a gente ouvir, até em
notas da imprensa, divulgação de rolês realizados ou programados pela garotada.
Eu sempre achei estranho. Lá no meu tempo, das hélices nas asas dos aviões e da
TABA, eu falava rolé. Aliás, até hoje, quando necessário, me recuso,
veementemente a pronunciar a forma fechada rolê. Assumido como um genuíno
oxítona, digo que a galerinha carioca me representa. Olé, Sodré. Roléééééé.
Salve, salve o ‘é’ aberto!).
Um
avião se sustentar no ar é algo fascinante e para muitos, inexplicável. Eu
mesmo não entendo. Vou no raso. Seguro algo com a mão e, se de repente, largo
no espaço. Logo o objeto cai no chão. Este é o empirismo a mim permitido. Até
abonado pela lei do Newton. Resultado óbvio, esperado e de natuteza,
convenientemente respeitável (ninguém larga o corpo a partir de um desnível, no
espaço, e espera, na boa, mesmo que com as asas de Ícaro, flutuar).
A
inventividade, a ciência, ferramentas tecnológicas incríveis nos dão caminhar
pelo céu. Há uma explicação. O céu não é um vazio. A forma das asas, diferença
de pressão do ar sobre as asas, formação de ventos turbinados, e o domínio do
saber fazem esta belezura desfilar pelos nossos céus. E me dão, sempre que
posso, andar por estas margens de rio pra lá e pra cá, desde aquele dia em que
embarquei na TABA e mergulhei nas nuvens ombreado pelas hélices do Hirondelle.
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