Cinema em casa
Já
fui muito vicici em cinema. De rua, tela grande, pipoqueiro na sala de espera;
exibições encarreiradas com sessões sem esvaziamento da platéia, e som que a
gente só entendia os diálogos com muito esforço, quando filme nacional. Filme estrangeiro,
me aviava na legenda é que era. Via e revia as películas. Digo até que dividia
benzinho as sessões uma na cola da outra que eu assistia. A primeira era pra
entender as falas ou ler as legendas. A segunda, para apreciar os movimentos,
os jogos de câmera, efeitos, cenas fortes de amor ou ricas na dramaticidade. A
última juntava as duas experiências. Era pacote completo. Um olho no enredo,
outro na emoção e um reparo atento no sentido do que se dizia em cena.
O
cinema, como se falava antes, era a maior diversão num determinado desenho
social dos lazeres. Normal que a grande maioria dos meus contemporâneos, se
perguntados, citem a sétima arte como a preferida. Dei destaque, me afeiçoei
mais, penso eu, por uns detalhes. Morei muitos anos ao pegado do Paraíso, a
nossa estimada, respeitada casa de exibição que nos enchia de pavulagem aqui na
Pedreira. Se não era o melhor, era o cinema da barra, da comunidade. Éramos
íntimos. E como orientava o letreiro ao pé do palco que compunha o imenso
salão, fazíamos dele, o nosso paraíso mesmo.
Todas
as noites, a minha patota se reunia na calçada do cinema. Pra nada. Jogar
conversa fora, insistir numa ou noutra encarnação com um cristo do grupo,
passar o tempo, puxar um papo com aquela senhora que ficava na roleta e que era
de muito pouco papo, abelhudar a freqüência na bilheteria cada noite pra ver se
o negócio rendia uma grana ainda e, aqui, ali, comprar um ingresso e fazer a
pré na sessão das 10.
Também
virei fã porque cheguei a fazer umas diárias de peão no Paraíso. O titular das
tarefas era o Niquela. Cuidava de um tudo. Varria, tirava chicletes das
cadeiras, aguava o chão do grande salão (e depois que passei a ajudar na lida,
foi que notei o quanto era grande. Ficava na baba depois das vassouradas e
enxágues). Era zagueiro dos mais indóceis, do Glorioso Internacional da
Mauriti. Um dia deu na telha, me pediu uma ajuda no trampo. Eu faturava uma
ponta na subempreitada, mas o que valia mesmo era que entrava de graça e para
ver o filme que quisesse, pelo portãozinho lateral, sob o protesto da
senhorinha da roleta. O agrado mais legal, porém, estava na missão de ir com o
Niquela buscar as latas de filmes, na distribuidora Luiz Severiano Ribeiro.
Outro bônus era que eu, só querer, subia até a sala de projeção para acompanhar
as manobras e operações daquela engenhoca admirável. Perdia um tempão
acompanhando a lampadinha espalhar a luz pelo salão e jogar as imagens na tela.
Lá de cima dava mais bola pra’quela máquina fascinante de projeção, que para as
aventuras e emoções das películas.
E
ponha emoções. Nessa época encantei-me com a beleza da Ursula Andress, num
faroeste de pouco interesse. Já era de maior e acompanhei as traquinagens da
Dama do lotação e algumas chancadas de enredo saliente sob olhares de inveja da
minha patota. Experimentei um clássico em E o vento levou e vibrei, dei
saltitos, fiz menção de movimentar o nunchaku q’nenzinho o Bruce Lee.
As
salas de exibição sumiram das ruas. Ainda resistem nos shoppings. Para ver um
bom filme, podemos hoje também, montar acampamento no sofá da sala e zapear as
ofertas da internet e streamings.
Fiz
isso no último feriadão. Virei, mexi e achei em um nicho de vídeos, um filme
fenomenal. Barravento. O primeiro longa-metragem de Gláuber Rocha. Que
maravilha! A gente se vê na telona. Coisa rara. Gente igual a gente. A
sequência do samba embrionário. A roda, a cantoria, o berimbau, o passo
miudinho, a umbigada, as pernadas da Capoeira. Maravilha!
Luz,
câmera, ação. Pipoca, escurinho. Barravento é filme de se ver inúmeras vezes,
estirado no sofá.
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