sábado, 8 de junho de 2024

crônica da semana - cinema em casa

 Cinema em casa

Já fui muito vicici em cinema. De rua, tela grande, pipoqueiro na sala de espera; exibições encarreiradas com sessões sem esvaziamento da platéia, e som que a gente só entendia os diálogos com muito esforço, quando filme nacional. Filme estrangeiro, me aviava na legenda é que era. Via e revia as películas. Digo até que dividia benzinho as sessões uma na cola da outra que eu assistia. A primeira era pra entender as falas ou ler as legendas. A segunda, para apreciar os movimentos, os jogos de câmera, efeitos, cenas fortes de amor ou ricas na dramaticidade. A última juntava as duas experiências. Era pacote completo. Um olho no enredo, outro na emoção e um reparo atento no sentido do que se dizia em cena.

O cinema, como se falava antes, era a maior diversão num determinado desenho social dos lazeres. Normal que a grande maioria dos meus contemporâneos, se perguntados, citem a sétima arte como a preferida. Dei destaque, me afeiçoei mais, penso eu, por uns detalhes. Morei muitos anos ao pegado do Paraíso, a nossa estimada, respeitada casa de exibição que nos enchia de pavulagem aqui na Pedreira. Se não era o melhor, era o cinema da barra, da comunidade. Éramos íntimos. E como orientava o letreiro ao pé do palco que compunha o imenso salão, fazíamos dele, o nosso paraíso mesmo.

Todas as noites, a minha patota se reunia na calçada do cinema. Pra nada. Jogar conversa fora, insistir numa ou noutra encarnação com um cristo do grupo, passar o tempo, puxar um papo com aquela senhora que ficava na roleta e que era de muito pouco papo, abelhudar a freqüência na bilheteria cada noite pra ver se o negócio rendia uma grana ainda e, aqui, ali, comprar um ingresso e fazer a pré na sessão das 10.

Também virei fã porque cheguei a fazer umas diárias de peão no Paraíso. O titular das tarefas era o Niquela. Cuidava de um tudo. Varria, tirava chicletes das cadeiras, aguava o chão do grande salão (e depois que passei a ajudar na lida, foi que notei o quanto era grande. Ficava na baba depois das vassouradas e enxágues). Era zagueiro dos mais indóceis, do Glorioso Internacional da Mauriti. Um dia deu na telha, me pediu uma ajuda no trampo. Eu faturava uma ponta na subempreitada, mas o que valia mesmo era que entrava de graça e para ver o filme que quisesse, pelo portãozinho lateral, sob o protesto da senhorinha da roleta. O agrado mais legal, porém, estava na missão de ir com o Niquela buscar as latas de filmes, na distribuidora Luiz Severiano Ribeiro. Outro bônus era que eu, só querer, subia até a sala de projeção para acompanhar as manobras e operações daquela engenhoca admirável. Perdia um tempão acompanhando a lampadinha espalhar a luz pelo salão e jogar as imagens na tela. Lá de cima dava mais bola pra’quela máquina fascinante de projeção, que para as aventuras e emoções das películas.

E ponha emoções. Nessa época encantei-me com a beleza da Ursula Andress, num faroeste de pouco interesse. Já era de maior e acompanhei as traquinagens da Dama do lotação e algumas chancadas de enredo saliente sob olhares de inveja da minha patota. Experimentei um clássico em E o vento levou e vibrei, dei saltitos, fiz menção de movimentar o nunchaku q’nenzinho o Bruce Lee.

As salas de exibição sumiram das ruas. Ainda resistem nos shoppings. Para ver um bom filme, podemos hoje também, montar acampamento no sofá da sala e zapear as ofertas da internet e streamings.

Fiz isso no último feriadão. Virei, mexi e achei em um nicho de vídeos, um filme fenomenal. Barravento. O primeiro longa-metragem de Gláuber Rocha. Que maravilha! A gente se vê na telona. Coisa rara. Gente igual a gente. A sequência do samba embrionário. A roda, a cantoria, o berimbau, o passo miudinho, a umbigada, as pernadas da Capoeira. Maravilha!

Luz, câmera, ação. Pipoca, escurinho. Barravento é filme de se ver inúmeras vezes, estirado no sofá.

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