Vovozinho
Vida
girando, cenários e humores em movimento. Mundo partido, corações esmigalhados.
Para tudo! Um instante. Volta um pouquinho:
Havia
completado um ano de emprego em Barcarena. Morava numa república e neste dia
folgava, sentado no batente e espairecendo vendo o tempo passar. Quando ela
chegou.
Uma
missão repentina tinha levado minha companheira ao meu encontro em Barcarena.
Precisava de uns documentos que estavam em Belém, para regularizar meu contrato
com a empresa.
Da
feita que ela bateu o pé na calçada, logo reparei. Os olhos afundados, olheiras
bem marcadas, uma certa palidez. Comentamos aquela panemice e avaliamos as
expressões como uma resposta do corpo à viagem de popopô e da falta de costume
em enfrentar o banzeiro da baía do Guajará, comum, no meio da tarde.
Passadas
as impressões, e notada a recuperação, conferimos a papelada que ela trouxe,
nos abrigamos, relaxamos um pouco, saímos à noite para o repasto e para
conhecer um pouquinho do que a Vila dos Cabanos tinha, já que era a primeira visita
de minha companheira ao lugar em que eu passava a semana trabalhando. No dia
seguinte cedo, embarcou de volta para Belém, com a combina de que procuraria um
médico para avaliar aqueles passamentos repentinos.
Pouco
tempo depois, o telefone do alojamento tocou. Alguém gritou por mim, que, com
certeza folgava lendo alguma coisa no quarto. Fui atender na salinha reservada.
Do outro lado da linha, a revelação: “estou grávida”. Era isso, aquelas
mundiações, os enjôos, as palidezes aleatórias. Era Algelzinho se anunciando.
Desliguei
o telefone contendo a euforia. Comentei com meu parceiro de quarto, me imaginei
como pai. Chorei em silêncio, de emoção. Depois, voltei ao mundo real. Nessa
época ainda não tinha a planilha do Excel, rabisquei então nosso futuro com um
filho, na caderneta que me acompanhava para as anotações diárias. Fiz contas,
incluindo compra de berço e o custeio da educação até a saída da universidade,
ponderei a distância que nos impunha a separação durante a semana e a primeira
ação foi arrumar uma casa do projeto e mudar todo mundo para a Vila. Ali
começaria a nossa família (dois anos depois, olhos fundos, olheiras, panemice
de novo e Amaranta chegaria para completar a família e animar nossa vida com o
espírito feminino).
Volta
aos giros do mundo:
Na
quinta-feira próxima passada, Argelzinho e Brenda vieram nos visitar. Mantendo
todos os cuidados de distanciamento, os recebemos em casa, ainda eu, cultivando
um descontentamento porque o casal veio no meu aniversário em maio, e não trouxe
nem uma camisa do bicola de presente, que eu tanto queria. Um bolinho de
visitante partilhado, e a seguir, folguei no sofá para uma prosa despretensiosa
enquanto eles mantiveram a distância, ali na mesa, encostada à janela. Foi aí
que dei com uma caixinha de presente sobre o balcão da cozinha. Hã hã... imaginei.
Custou, mas veio.
Levantei,
peguei a caixa do balcão, fiz uma cena agradecendo o mimo, desatei o lacinho e
abri. Dentro, um par de sapatinhos de bebê.
O
mundo gira e os bebês não se anunciam mais a peso de olheiras e panemices. Apresentam-se
da forma mais fofinha que a gente possa imaginar. Chorei em silêncio de emoção
por descobrir naquele momento que vou ser vovozinho. Fui lá em cima e voltei.
Refeito,
corri para o computador, abri o Excel e fiz as contas do berço, dos passeios no
bosque, das voltas no carusser do arraial e dos estudos do netinho ou da
netinha até a universidade.
Que lindo...É possível sentir a emoção nesse escritos de Raimundo Sodré. A crônica dele tem dessas coisas. De deixar a gente assim meio assim sei lá .
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