A gengibirra no barracão
Não havia,
ainda, durante as minhas andanças, quebrado a BR um tanto estirado de responsa no
rumo da Belém-Brasília. Até que entramos, um trechinho, numa viagem de campo
pela Universidade, mas foi só até a primeira ocorrência do Arenito Guamá, antes
de São Miguel, bem ali, ó, um nadinha de estrada. Mas no último final de
semana, conheci os encantos desta parte do Pará. Fui bater em Irituia.
A cidade fica a
sudeste de Belém, e mescla sua influência entre o eixo desenvolvimentista da Belém-Brasília
e o traçado cítrico do caminho que leva à nascente do rio Guamá, e, em tons
singelos e alegres, se harmoniza em cenários cheios de surpresas.
(Não posso
deixar de dizer que antes de chegar em Irituia a gente se depara com um rio
Guamá totalmente diferente desse que a gente conhece. Àquela altura do seu
curso o Guamá tem uma envergadura bem mais modesta e a cor da água está longe
de ser aquela barrento-cremosa que a gente enxerga aqui na biqueira do Portal.
Nem parece o mesmo. Detalhes, pródigas dessemelhanças que, daqui pra’li
enriquecem a tez deste Pará).
Fui a Irituia
para cumprir um rito cultural. Conheci almas e sentimentos, abstraí valores e
intenções, refleti sobre a natureza criativa dos artistas populares, examinei
com aguçada curiosidade a raiz provedora de ritmos e cores, voltei o olhar para
o fulgor incessante que anima de calor e arte um povo decidido, lutador... E
quando dei por mim, estava lá no barracão, envolvido pela grande roda do Carimbó
e pelo sabor arrebatador da gengibirra.
É que semana
passada ocorreu por lá, o Festival do Carimbó. Fui agraciado com um convite
para acompanhar a festa e fiquei maravilhado com o que vi. Os irituienses
afirmam que cortam e aram no Carimbó. Que o Carimbó de lá é o autêntico, o
verdadeiro. Embora as opiniões divirjam há certezas por lá. E o fato deles
encarreirarem três dias num grande folguedo, avaliza esta certeza. E olha, pela
pegada do povo, não duvido não. A festividade é um momento de intenso
envolvimento popular, de conivências comunitárias. Há um exercício de relações
interessante, durante a festa, momento em que tradicionais e saudáveis costumes
são reeditados com entusiasmo e reverência, como as cerimônias que envolvem a
implantação e a derrubada do Mastro de São Benedito.
O início de janeiro
é marcado por grandes e caras simbologias irituienses. Dentre elas, o mito
gengibirra. Reivindica-se na cidade, a origem da bebida. Com referências,
inclusive, para os remotos anos finais do século 19. Se a gengibirra surgiu
naquelas paragens, uma pesquisa histórica apurada pode até confirmar, mas que
eles têm uma intimidade com a fórmula mágica, ah, eles têm. Provei de tudo
quanto foi gosto e jeito, com os mais variados arranjos, desde a minimalista
com gengibre, cachaça e só, até uma combinação aprazível com o doce do mel.
Provei com moderação, acreditem.
Muitas foram as
surpresas agradáveis que encontrei neste passeio ao Leste paraense, mas sabe,
tenho dentro de mim, no mais absoluto sentido figurado, 50% de um Geólogo,
então, confesso que o objeto do meu mais desbragado fascínio foi mesmo a
exposição de rochas esculpidas conhecida como “Vila Pedra”, no entorno da
cidade. Uma ocorrência deslumbrante do Arenito Guamá numa zelosa exibição
plástica às margens do rio Irituia. Um irrevogável patrimônio natural da
cidade.
Trouxe de
Irituia, boas lembranças nos versos de Mestre Minga “No mês de Janeiro, pra Irituia
eu vou/pra festa de São Benedito...Lá tem a missa, a procissão...Tem gengibirra
no barracão” e a belezura Paleozóica da Vila Pedra, acrescento.
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