domingo, 20 de novembro de 2011

crônica da semana - o nome da

O nome da rosa
Agora, na modernidade, meu escritor preferido é o Luís Fernando Veríssimo. É certo que outros monstros da literatura me assombram, mas, o Veríssimo é, como posso dizer..mais ao pegado, feito vizinho de porta, xícara de açúcar, punhado de farinha, telhado platibanda. Com ele aprendo coisas complexas de modo muito simples. A natureza das coisas, dos termos, que por outras vias necessitariam de uns dois diplomas para compreendê-los, com o Veríssimo, é no trisca, assim de repente.
Tem uma crônica dele que não esqueço jamais. Reflete o grau de serventia que o filho do Érico Veríssimo pode assumir na vida da gente. Ele tira uma onda com o verbo ‘defenestrar’. No texto, o escritor gaúcho revela o significado do verbo. Explica que o verbo quer dizer jogar algo ou alguém pela janela e expõe algumas circunscrições para o ato. Não é desfazer-se de qualquer coisa, simplesmente. O arremesso tem que ser, necessariamente, pela janela. Uma bolinha de papel, sim; um sonho, sim; um cara chato, sim. Mas tem que ser pela janela (e eu pondero apenas que, excetuando-se o sonho, embora consoantes com a gramática, todos os outros lances são práticas ambientais condenáveis; penso que o verbo defenestrar, agora pelos nosso dias, para o bem do planeta, deve representar uma ação exclusivamente abstrata).
Nos últimos anos, o termo vem designando baixas nos variados estratos do poder. A grande imprensa assumiu esta conotação e adora noticiar que ‘fulano de tal foi defenestrado do cargo’ (fico imaginando um ‘empalitado’, com desesperados olhos de Frajola, despencando das janelas inglórias da política). 
Só pra gente perceber o cenário, o campo minado em que o Veríssimo se meteu, essa coisa da palavra, das designações, do significado, do significante e do realce, vem da Grécia. São vielas intrincadas, ramificadas da língua, que formam as partes do discurso ou, para o terror da garotada, integram as tais das classes de palavras.
Riobaldo, o sábio personagem de Guimarães Rosa espreita esta ordem de colocação e percebe: “muita coisa importante falta nome”.
Mesmo com a inventividade dos gregos, com o humor criativo do Veríssimo, com a versatilidade funcional engendrada pela grande imprensa, há ainda coisas que não fazem parte do discurso. Dentro do grande baú que guarda o nosso vocabulário, ainda há coisas sem identidade (atos, substâncias, fenômenos). A internet taí mesmo, carecendo de dizeres significativos.
Mas antes do mundo virtual, alguns aperreios já me consumiam. Por exemplo: ainda me bato com a ausência de uma palavra que signifique “pegar algo ou alguma coisa do chão”. Andei aí, de tocaia, assuntando. Vi que a gente recorre ao verbo ‘juntar’ (ou ajuntar). É só cair o pão (com a manteiga pra baixo, caso este incidente hipotético ocorra num cenário de classe econômica menos favorecida), que a mãe dá o carão e ordena “anda menino, ajunta, limpa no short e come. Pensa que é assim, é , do derruba!”
E assim por em adiante. Quando a gente quer pegar alguma coisa do chão, acode-se aos empréstimos dos significantes verbais ‘juntar’ ou ‘ajuntar’. Só que, nos dicionários que consultei, estes verbos são dados como expressões de união, de reunião, agrupamento. Não fazem nenhuma menção, não dizem nada sobre a urgência de recuperar o pão que cai com a manteiga para baixo (até que achei, na internet, algum coisa no sentido que a gente conhece, este mesmo de pegar do chão, mas é visto como um regionalismo português, coisa de padaria d’além mar).
Tempos modernos... ora, ora...Ora, pois pois... é hora de dar nomes às rosas.

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