segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

crônica da semana - nota nove e uns caroços

 Nota nove e uns caroços

Em duas oportunidades na vida fui convidado para fazer parte de um corpo de jurados. As duas em competições de músicas. Pra nunca mais. Não tenho o pendor de julgar, reconheço. 

Noto ainda que além da frágil, e reiteradamente passional, elaboração de critérios ou de leituras substanciosas das obras e apresentações, quando calha d’eu ser justo e qualificar direitinho as intenções, peco nas medições. Me tenho por demais analítico nas notas. Num concurso, em especial, pus a turma da apuração em desconfortável encalacre. Minhas notas foram todas quebradinhas, minha composição decimal tendia ao infinito. Para um, dei 8,347; já para aquela, a nota foi 7,843. Aquel’outro mereceu 9,769. Não sei qual entidade cartesiana baixava em mim. As minhas notas tinham valores enes tais além da vírgula, que se alinhavam à desmesurada configuração do valor de pi. O que se via na hora do resultado era um nervoso digitar na calculadora dos celulares. Continha chata que dava recálculo, gerava insegurança. Lá do meu lugar na banca, tomando aquela aguinha que passarinho não bebe (minha exigência para compor o plantel) atinava para os olhares de incontida ira dirigidos a mim. Era a escolha de uma marchinha de carnaval para o um bloco, formado por animados estudantes universitários e agregados, que acontecia já na concentração e em meio à pândega própria da época. Tinha um espírito despojado, lúdico, dispensava perfeitamente aquela sisudez, aquela tensão toda para a obtenção de uma nota (que poderia contemplar qualquer uma das marchinhas inscritas, afinal, todas comporiam o repertório do bloco dali por diante). Depois daquele dia, lição dada, lição apreendida. Não mais me convidaram e eu também, quite que me enxeri.

Embora tenha feito a autocrítica. Revisto conceitos. Ativado mecanismos mais ágeis e compensadores de atenção e compreensão, recaí.

Detalhezinhos decimais me servem agora para meter o bedelho, me inserir no bloco de avaliadores mis que grassam emitindo notas e pesos aos vários desafios assumidos por Belém para a realização da COP30.

Além da vírgula, embarco na turma que viu a COP como um jogo de futebol ou um show para multidões. Mando um número quebradinho, mas ali no rumo do 10. É claro que embalado pelo forte apelo midiático local, pela valorização das nossas riquezas culturais e ainda em favor da resistência, da resposta que a cidade deu para as pssicas liminarmente disparadas. Ainda sobre este apanhado, ressalto que uma nota alta se justifica pelo engajamento da população. Todo o fuzuê em torno da COP trouxe para a cena também os moradores da região. E isso foi muito positivo. Tanto para o cidadão conhecer melhor o lugar que mora e se reconhecer neste espaço (com seus problemas, suas belezas, sua história) como também para se inserir, se aliar aos movimentos de reflexão, de reivindicação, de elaboração de propostas e condutas em favor do planeta. À exemplo, na prática, testemunho que  saí deste transe comunitário decidido a reagir à mentira que vivenciamos com relação à coleta de lixo. Implementamos, aqui em casa, uma outra estratégia para o descarte de resíduos gerados, já que a coleta realizada hoje desacredita o sistema, mistura tudo e inviabiliza o manuseio seguro do material coletado. Diante do entusiasmo circunstante, as falas que pregam comportamentos sustentáveis foram amplificadas, tocaram os corações e provocaram mudanças de hábitos em muita gente, imagino. Baseado nas declarações oficiais, volto ao picadinho dos números e banco a nota 9 e uns caroços para o conjunto da obra. Pena é que concretamente, a conferência avançou muito pouco com relação a pautas decisivas. Transição energética, redução na geração de CO2, compromissos com biomas foram travados. O nove inteiro, uma excelente nota para o pacote Belém, foi ressiginificado e confinado sob gases estufa. Ficando a salvação do planeta, com os caroços decimais.